Sangue, dor e amor.

quarta-feira, maio 04, 2016


Há feridas que sangram para sempre. Por muitas compressas e ligaduras que se lhes coloque,  o sangue continua a correr de fio e a dor torna-se permanente, de tal forma que nos habituamos a ela, como um fantasma sempre presente que faz ranger o soalho no mesmo lugar há tantos anos - e já quase não o ouvimos. As respostas que nunca nos foram dadas. O abraço quente e sincero que nunca se estendeu em torno do nosso corpo. O esperado pedido de desculpas que nunca foi dito. O amor que nunca chegou a manifestar-se de forma límpida, sem a toxicidade da crítica e do ressentimento.

Diz-se que as pessoas que foram magoadas são as mais fortes, porque sobreviveram. Talvez seja só o que se diz. A dor, ora nos fortalece, ora enfraquece, num imprevisível vai e vem que oscila ao sabor do vento. 

Na verdade, as pessoas magoadas são sempre mais frágeis e sensíveis e, sobretudo, mais atentas, por necessidade de auto-preservação. Têm a reputação de desconfiadas. Por vezes, tornam-se frias e reservadas, quem sabe, por terem de anestesiar os próprios sentimentos. Em muitos casos, as pessoas que foram magoadas sentem uma necessidade inconsciente de magoar os outros, criando um ciclo vicioso que apenas se desfaz quando percebemos que o fazem porque não sabem ou conseguem aliviar a própria dor de outra forma.

Esta semana, a carta 3 de Espadas recomenda-nos a olhar para dentro, para as nossas próprias feridas e entendê-las, aceitando-as como necessárias para crescermos como seres humanos. Afinal, até mesmo uma árvore que seja podada, continua a crescer. 
Não desiste nunca. Se lhe cortam um ramo, com o tempo, estende outro noutra direcção. Desde que haja luz, água, alimento. Contando que haja amor, venha ele de onde vier - também nós conseguiremos estender os nossos ramos e renascer dos cortes que a vida traz. E se o amor não vier de fora, que venha de dentro em primeiro lugar. 

Talvez não seja preciso que as feridas sangrem para sempre, afinal.

Cuidemos de nós, com muito amor, e cuidemos também dos outros. Abrandemos a velocidade, para evitar magoar alguém. Se, na pressa de realizarmos os nossos objectivos, causamos danos pelo caminho, directos ou indirectos, que merecimento será o nosso? Haja amor, haja abraços daqueles em que os corações se encostam e batem em uníssono, haja compreensão, haja sinceridade.


Hazel

Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, 5 Maio

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