Elogio da preguiça

quinta-feira, junho 23, 2016


A preguiça, um dos sete pecados capitais, ganhou uma má reputação atribuída pela Igreja Católica desde há tantos séculos que nem valeria a pena contá-los, tornando culposo o simples e inocente prazer de estar parado sem nada fazer.

Seria religiosamente obrigatório o movimento constante - e desgastante - sem permissão moral para nos entregarmos ao ócio, ao vazio, à doçura semi-erótica de um corpo que se estende sobre uma cama com lençóis macios que se moldam à nossa volta num abraço digno de Morfeu.

Contudo, se fôssemos culpados por nos abandonarmos à preguiça, também o seria a Terra, que repousa ciclicamente para que possa voltar a dar frutos. Contrariar as necessidades básicas humanas seria uma arrogância da nossa parte; equivaleria a tentar impor-nos às forças da Natureza.

Dir-se-ia que a preguiça não é um pecado, mas, pelo contrário, um bem de primeira necessidade, do qual se deve usufruir com esmero, delicadeza e parcimónia. Tomá-lo em excesso tornar-nos-ia flácidos de carácter, destemperados de ambição, cadáveres vivos, perfumados e de faces rosadas, sem expectativas ou anseios. Na medida certa, é salutar e regenerador.

A carta Cavaleiro de Ouros leva-nos a reflectir sobre a necessidade de abrandar a velocidade, parando para apreciar a paisagem, tirar os sapatos e sentir o contacto dos pés descalços com a terra fresca, regressando, assim, à nossa essência.

É preciso deixar que a poeira das atribulações do dia-a-dia possa ter tempo para voltar a assentar, para que a alma se apazigue e o coração aprenda a saber esperar, a ter paciência - a dar tempo ao tempo. Que seja restituída a merecida dignidade à tão desprezada e simultaneamente cobiçada preguiça.

A tranquilidade, que caminha de mãos dadas com a paz de espírito, é uma arte que se aprende quando nos permitimos parar sem que nos sintamos culpados por isso. É que, ao contrário do que se diz, nem sempre parar é morrer. Às vezes, parar é crescer por dentro e estender raízes alimentadas pelo conforto e pela segurança da rotina que se instala.

A preguiça é uma droga que cura, embora possa tornar-se viciante e letal no momento em que a pacatez encontra a acomodação, e esta última toma o seu lugar. Nesse instante, devemos despedir-nos graciosamente da preguiça como se de uma visita se tratasse, daquelas que se tornam incómodas por ter ficado tempo demais, e marcamos novo encontro dentro do prazo necessário para que lhe voltemos a sentir a falta.

Hazel

Crédito foto
Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição de 23 Junho

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