Ou fumam todos, ou não fuma nenhum

quinta-feira, março 30, 2017


Portugal está dividido em dois. De um lado, espetam-se dedos indicadores manchados de amarelo-nicotina, ferozmente indignados com a possibilidade da proibição de fumar nas praias. Reclamam, entre baforadas desesperadas de fumo cinzento, que é uma forma de ditadura, um ridículo atentado à sua liberdade, que não tem jeito nenhum, que não cabe na cabeça de ninguém.

Do outro lado, encontram-se, em estado zen, os saudáveizinhos para quem o cinzeiro do carro serve só para pôr as moedas. Satisfeitos e aliviados por finalmente poderem inspirar o perfume da maresia na época balnear, sem o indesejável fumo egoicamente exalado — pelos outros —, desejam que a abençoada lei seja aprovada o mais depressa possível.

Ora, depois da proibição de fumar em espaços fechados, voltamos a aborrecer-nos uns com os outros por causa dos espaços abertos; quando ainda mal tivemos tempo de superar o choque da prepotência de Miguel Sousa Tavares: quando questionado, na época, sobre a questão das crianças respirarem o fumo do tabaco nos restaurantes, sugeriu que os pais se abstivessem de as levar a lugares públicos, até porque o barulho delas era mais incomodativo que o fumo. Por aqui se vê os malefícios do excesso do tabaco. Ainda assim, teve que se submeter à nova lei, tal como os demais indivíduos-inaladores-e-exaladores de fumo.

Concordo que não se deve condicionar a liberdade dos outros. É um direito absolutamente inquestionável. Querem fumar, fumem. Que inalem todo o fumo que lhes aprouver (como dizia o outro, quando morrerem, vão de costas). O que não podem é exalá-lo junto de quem não partilha o seu vício. Explicando o óbvio: é tão inaceitável como qualquer outro toxicodependente andar a injectar as drogas que toma no corpo dos outros. Só não parece tão mau. Mas é.

Inalem isto de uma vez por todas: a questão que se trata aqui não é a de privar alguém da liberdade de fumar. Trata-se, sim, do exercício da liberdade de escolha para os outros, os que não querem ser fumadores passivos.

Esta semana, o arcano Roda da Fortuna recorda-nos que nada pode ser tomado por garantido e permanente. Nem as leis, nem os costumes, nem a vida. Vêm aí novos tempos, de ar limpo e oxigenado. Talvez doa um bocadinho ajustarem-se, especialmente no ego. Mas, se isto vos serve de consolo, leitores fumadores-furibundos: em Nova Iorque, onde desde 2011 foi aprovada a proibição de fumar em parques e praias, os resultados foram de uma melhoria na saúde geral da população, com menos registos de enfartes do miocárdio e idas às urgências. E esta, hein?

Hazel
Consultas em Oeiras e online

Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição 1625
foto: Hans, licença CC0

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