Aladino e a Aldeia dos Núbios

O TERMÓMETRO MARCA QUARENTA E TRÊS graus Celsius e ainda não devem ser dez da manhã neste lugar escondido do resto do mundo, onde o Sol é soberano.

Na aldeia núbia, de uma só rua e algumas perpendiculares, a economia depende essencialmente do que os homens vendem nas suas bancas: tapetes étnicos feitos em tear, essências aromáticas, rosas-de-Jericó, jóias, pedras preciosas, colares exóticos inspirados na joalharia faraónica, estátuas de divindades egípcias, chás, incensos perfumados, remédios naturais, galabias para vestir, lápis kajal para aquele misterioso e sedutor olhar delineado do Médio Oriente. Todas as tentações e tesouros que a imaginação poderia reunir, num só lugar.

A Núbia é uma região no nordeste africano que se estende ao longo do rio Nilo, no sul do Egipto e no Sudão, berço de um grupo étnico indígena antiquíssimo que perdura aqui há mais de sete mil anos — os Núbios.

Aladino (you are very famous now!)
Foi numa destas bancas, digna d'«As Mil e Uma Noites» e da lenda de Aladino, que este diálogo, tal como transcrevo, sucedeu:

— Welcome, Madam! Where are you from?
— Thank you. I’m from Portugal.
— What’s your name?
— Hazel, and yours?
— I’m Aladino. Nice to meet you.
— Aladino? Really? What a beautiful name!


Aladino, trinta e oito anos, num inglês muito educado e correcto, contou piadas, fez trocadilhos e charadas idiomáticas. Ao longo do tempo ficámos amigos, ficámos irmãos. De pais e países diferentes, mas a mesma afeição pelas histórias e pelas palavras.

«Tenho a sensação de estar num país dentro de outro país. Existe vigilância e policiamento com metralhadoras no resto do Egipto, mas aqui não vi um único polícia. Porquê?», indaguei, em inglês. Aladino sorriu com bondade e respondeu: 

«Porque não precisamos.»

Sentámo-nos no chão abrigados do Sol que me incinerava a pele e os cabelos, sob um céu feito de panos, e a conversa prosseguiu com chá de menta oferecido em taças redondas de porcelana.

Os crocodilos são mantidos em tanques no exterior das habitações como animais de estimação, mantidos com muito carinho. Quando morrem, são secos e pendurados em paredes.

DENTRO DA ALDEIA
Os núbios raramente vivem sozinhos ou só em casal. O mesmo tecto costuma albergar várias gerações.

Há uma reverência sagrada pelos anciãos, cujas palavras são escutadas pelos mais novos com o respeito de quem ouve, através da sua boca, os ecos das vozes oraculares de toda uma linhagem de ancestrais. Os jovens servem os idosos com a mesma honra e sacralidade que se serviria um deus vivo –, porque o Tempo é a divindade suprema.

As tradições, mais valiosas que qualquer bem material, são a sua preciosa herança, e o costume da comunidade reunir-se em cículo para partilhar histórias, poesia e música são o respirar de um deus vivo cujo corpo é feito da soma de todos os núbios.

Têm uma forte vivência mística que cultiva a fé no poder dos antepassados e dos espíritos, a quem prestam culto em rituais e cerimónias espirituais para honrar os ancestrais e pedir a sua protecção e orientação.

Os núbios são dos povos mais honrados do mundo. Não há criminalidade, mesmo em fases de escassez. Um núbio não rouba, não mente, não engana. Se um membro da comunidade estiver a passar por dificuldades económicas, nunca é tratado como se fosse “menos importante”. Sempre haverá um vizinho que lhe estende a mão:

«Precisas, aqui tens. 
Se um dia eu precisar, 
sei que também me ajudarás», explica Aladino.

Têm uma organização própria que consiste em tomarem as decisões para a comunidade baseadas no consenso e benefício de todos os seus membros. O dinheiro tem, assim, uma importância relativa. 

[Incrédula por conhecer alguém realmente chamado Aladino, sinto-me perante o verdadeiro herói de um dos contos d'«As Mil e Uma Noites»! —, o primeiro livro de literatura para adultos que li quando criança, pelo qual me apaixonei para toda a vida. No conto, Aladino era um jovem astuto que tinha descoberto a Lâmpada Mágica de onde saía um génio disposto a satisfazer os seus desejos.]

O deserto e o Rio Nilo ao fim do dia.

O Sol mergulha para lá das dunas enquanto os vendedores caminham com pacatez para casa, deixando as bancas cheias de tesouros valiosos nas ruas agora vazias, entregues ao silêncio e ao pó do deserto.

Se no resto do Egipto a História é um defunto que jaz lado a lado com as múmias em decomposição nos museus e no silêncio sepulcral das pirâmides vazias –, aqui não existe pretérito-perfeito: a História está viva! E cada homem e mulher núbia é uma das suas páginas.


AS MISTERIOSAS MULHERES NÚBIAS
As mulheres costumam cuidar das tarefas domésticas e dos filhos, enquanto os homens saem para trabalhar. 

Desengane-se quem as toma por submissas ao patriarcado. Longe disso: elas ficam em casa, mas os maridos têm que prestar contas e entregar o dinheiro que ganham, para que elas que decidam como geri-lo.

Cada mulher caminha com altivez e dignidade imperial, achando-se a melhor do mundo em tudo, a mais bonita, a mais talentosa, a mais especial. Independentemente de ser nova, velha, alta, baixa, gorda, magra, bonita ou desengraçada. Possuem a auto-estima inabalável de uma rainha. 

Não existe rivalidade entre mulheres, mas uma verdadeira sororidade. Elas não se misturam com os homens nos eventos sociais nem quando saem à rua.


OS CASAMENTOS NA ALDEIA
A celebração de um casamento núbio tem aqui a duração de três dias: o dia da festa da noiva, o dia da festa do noivo, e o dia da festa do casal. Até nos casamentos as mulheres e os homens socializam em áreas distintas. 

Toda a comunidade é convidada para as festas de casamento, incluindo forasteiros e certas escribas que possam ter sido bafejadas pela sorte por estar no-local-certo-à-hora-certa (não sabendo onde me posicionar, pois as mulheres são muito unidas entre si mas pouco receptivas a estrangeiras, fiquei na linha equatorial da sala de festas).


«O Nilo é a nossa mãe e o nosso pai.»
Ditado núbio

O busto de Nefertiti, obra-prima da arte egípcia antiga, admirado pelas linhas elegantes, expressão serena e traços delicados, é um ícone da beleza e da feminilidade e um dos principais símbolos da cultura egípcia.

NEFERTITI
Existe uma forte ligação com o rio Nilo, a principal fonte de vida e de subsistência. Muitos dos costumes e tradições são em torno do Nilo.

Especula-se que aqui terá nascido Nefertiti, a rainha (supostamente) núbia cuja beleza ficou para sempre na memória colectiva. O seu nome significa, em egípcio antigo, «chegou aquela que é bela».

CÓDIGO DE HONRA
Sem dúvida, a Núbia é a região mais especial e mágica deste país. Um local fora do tempo, onde cada habitante transporta a paz do deserto e a sabedoria de milhares de anos.

Nunca esquecerei e partilho a advertência: os núbios levam MUITO a sério a palavra. É sagrada. Um núbio transporta consigo o legado de um código de honra com o peso de sete mil anos, que o equipara quase a um semideus entre mortais. 

Quando alguém diz «logo se vê», ou qualquer outra afirmação semelhante, mesmo proferida com leveza e descompromisso, para um núbio tem a força e a validade de um contrato assinado: DEVE ser cumprido. Jamais engane nem crie falsas ilusões a um núbio. Há um ano, prometi-lhes que iria um dia escrever sobre esta comunidade. Promessa concretizada. Insha'Allah! 

Termino com um agradecimento especial a Aladino, desejando que a tradução automática para inglês não fuja muito do texto original.

Com os ventos do deserto,

Hazel
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NOTA: Todas as fotos e vídeos são meus, excepto a foto da Nefertiti (licença CC0).