Os velhos rituais pagãos têm viajado em sussurros expirados por lábios femininos ao longo de mais séculos que a memória consegue alcançar, transmitidos de mães para filhas. Perde-se na bruma dos tempos a origem destes saberes subtis, que oscilam como um pêndulo de relógio antigo entre a superstição e a fé em algo maior que nós.
Embora quase esquecidas, ainda sobrevivem algumas destas práticas, alimentadas pela força do amor. Após esperarem as nove lunações que determinam a data aproximada do nascimento de uma criança, os bebés eram “oferecidos” à Lua pelas suas mães, para que crescessem sob a sua protecção mágica.
A Lua sempre deteve um papel misterioso e soberano, orientando os homens que se faziam ao mar, pescadores que acompanhavam as suas fases para saber quando existe mais ou menos peixe, agricultores que esperavam a fase lunar mais propícia para fazer as sementeiras e as colheitas, poetas aluados, trovadores apaixonados, bruxas, videntes e feiticeiras, o ciclo menstrual das mulheres… e os nascimentos.
As mães pegavam no seu bebé e quando o manto prateado da Lua Cheia se estendesse sobre o seu rosto, diziam: “Lua, Lua Luar. Aqui tens o(a) meu(minha) menino(a). Ajuda-mo(a) a criar. Eu sou mãe. E tu és ama. Cria-o tu. E eu dou-lhe mama.” - fielmente transcrito do original, que me foi transmitido pela minha mãe antes da Lua Anciã lhe ter ceifado a vida, pela mãe dela, e estendendo-se por toda a linhagem de mães que as antecederam. Só a Lua sabe quando tudo isto começou.
Já poucas mães o fazem actualmente, embora a Lua se mantenha majestosa no seu reinado cíclico de nascimentos, vida e morte. Contudo, há apenas uma geração atrás, poder-se-ia arriscar dizer que era uma prática quase comum, sempre feita debaixo do pano, longe até do olhar do próprio pai. Eram tempos em que se acreditava no Diabo e nas suas tropelias, sentindo-se a necessidade de proteger as crianças, recorrendo a tudo. Hoje, já ninguém acredita nesta personagem com cascos de bode e tridente, embora se vivam tempos infernais.
Tantos de nós que, sem o sabermos, somos afilhados da Lua. Ainda que não acreditemos nestas crendices populares que atravessaram séculos de fé sustentada pelo amor das mães e, por isso, adquiriram força, a Lua prevalece sempre, assim como a sua influência sobre a Humanidade.
Esta semana, a carta A Lua recorda-nos da nossa ligação com o lado mais subtil da vida. Se andarmos com a cabeça da Lua - aluados, portanto - lembremo-nos dos astronautas que flutuam no espaço, distantes das pequenezas da Terra e, certamente, com uma maior noção do quão insignificantes são os conflitos humanos. Estejamos atentos à nossa intuição e à forma como o Universo comunica connosco.
Tenhamos a noção de que tudo passa. Tudo mesmo. Os bons momentos e os maus.
As paixões e os temperamentos destemperados. A alegria e a tristeza. Assim como a Lua tem as suas fases, também nós temos de as vivenciar e nelas procurar encontrar o equilíbrio quando o chão nos foge debaixo dos pés e a realidade se desfaz em estilhaços de ilusões desfeitas. Porque às vezes não queremos ver com os olhos do corpo aquilo que a alma sempre soube.
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