Escrever sobre escrever

domingo, outubro 26, 2014


Escrever não pode ser forçado. Deve ser um exercício leve, que se faz ao correr da pena, como se esta fosse uma extensão das nossas asas que voam pelos céus de papel.

Por vezes, passam vários dias sem que eu escreva. Porque não tenho tempo. Ou porque estou demasiado cansada, ou sem paciência. Mas quando volto a este momento mágico, regresso inteira, completa, e entrego-me assim, nesta nudez sem máscaras nem artifícios como uma ninfa que se rende à consumação do seu primeiro amor.

A escrita tem qualquer coisa de sexual. Os parágrafos são pequenos silêncios fundamentais para repousar e ganhar fôlego para mais; e para que quem está a ler possa respirar mentalmente entre frases. É preciso fazer amor com as palavras, senti-las a gotejar, doces como mel, ou amargas como uma semente de limão que trincámos por acidente e deixou um gosto amargo na ponta da língua.

Quando chega o desejo, o torpor que me leva a abrir uma página em branco e despejar as palavras assim todas de um só jorro como um turbilhão de água fresca acabada de brotar da fonte, sinto uma fragilidade e uma força titânica em simultâneo. Pequena e insignificante como um singelo ponto em cima da letra i, e, todavia, incomensurável como todas as palavras escritas desde que o Verbo foi pronunciado pela primeira vez no mundo.

Sem saber para onde as palavras me levam, sem nada fazer para conter ou controlar o seu serpentear, deixo-as simplesmente escorrer enquanto eu própria me liquefaço com este fluxo de energia que passa através de mim e segue sem destino.

É estar perdidamente apaixonada. O que é isso, perdidamente apaixonada, ponto de interrogação. Não é senão um estado de entrega, de mergulho no vazio-que-tudo-pode-ser-e-por-isso-nada-é, sem que nada me possa impedir ou impelir. E, assim, entrar em pleno vôo.

Perdidamente, mas nem por isso perdida. Pelo contrário, lúcida e em perfeita harmonia com o meu âmago. Perdidamente apaixonada pelas palavras, os delicados espacinhos que as separam, as vírgulas que marcam o ritmo, as enigmáticas e, por vezes, sedutoras reticências... também pelo ponto e vírgula; este velho cavalheiro de casaco empoeirado que já quase ninguém se lembra de utilizar. E os dramáticos pontos de exclamação, oh!

As palavras são como uma mistura equilibrada e fluida de tinta de óleo com essência de terebentina que se arrumam entre si com outras cores e tonalidades, pinceladas numa tela branca. Todas as possibilidades do mundo.

E, da mesma forma que um quadro nunca está concluído, porque há sempre um rabisco que o pintor demasiado crítico de si mesmo acha que deve acrescentar, também um texto nunca se considera verdadeiramente terminado. Embora, claro, o êxtase desta relação sexual, marcado pelo ponto final, indique ao leitor que chegou ao fim.

Abre parêntesis. A verdade é que o fim nunca existe, trata-se apenas de um mudar de agulhas. As palavras escritas dão lugar, a partir de ora, às flutuantes e hipnóticas palavras pensadas. Fecha parêntesis.

Ponto final. 

Hazel

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