Por vezes, passam vários dias sem que eu escreva. Porque não tenho tempo. Ou porque estou demasiado cansada, ou sem paciência. Mas quando volto a este momento mágico, regresso inteira, completa, e entrego-me assim, nesta nudez sem máscaras nem artifícios como uma ninfa que se rende à consumação do seu primeiro amor.
A escrita tem qualquer coisa de sexual. Os parágrafos são pequenos silêncios fundamentais para repousar e ganhar fôlego para mais; e para que quem está a ler possa respirar mentalmente entre frases. É preciso fazer amor com as palavras, senti-las a gotejar, doces como mel, ou amargas como uma semente de limão que trincámos por acidente e deixou um gosto amargo na ponta da língua.
Quando chega o desejo, o torpor que me leva a abrir uma página em branco e despejar as palavras assim todas de um só jorro como um turbilhão de água fresca acabada de brotar da fonte, sinto uma fragilidade e uma força titânica em simultâneo. Pequena e insignificante como um singelo ponto em cima da letra i, e, todavia, incomensurável como todas as palavras escritas desde que o Verbo foi pronunciado pela primeira vez no mundo.
Sem saber para onde as palavras me levam, sem nada fazer para conter ou controlar o seu serpentear, deixo-as simplesmente escorrer enquanto eu própria me liquefaço com este fluxo de energia que passa através de mim e segue sem destino.
É estar perdidamente apaixonada. O que é isso, perdidamente apaixonada, ponto de interrogação. Não é senão um estado de entrega, de mergulho no vazio-que-tudo-pode-ser-e-por-isso-nada-é, sem que nada me possa impedir ou impelir. E, assim, entrar em pleno vôo.
Perdidamente, mas nem por isso perdida. Pelo contrário, lúcida e em perfeita harmonia com o meu âmago. Perdidamente apaixonada pelas palavras, os delicados espacinhos que as separam, as vírgulas que marcam o ritmo, as enigmáticas e, por vezes, sedutoras reticências... também pelo ponto e vírgula; este velho cavalheiro de casaco empoeirado que já quase ninguém se lembra de utilizar. E os dramáticos pontos de exclamação, oh!
As palavras são como uma mistura equilibrada e fluida de tinta de óleo com essência de terebentina que se arrumam entre si com outras cores e tonalidades, pinceladas numa tela branca. Todas as possibilidades do mundo.
E, da mesma forma que um quadro nunca está concluído, porque há sempre um rabisco que o pintor demasiado crítico de si mesmo acha que deve acrescentar, também um texto nunca se considera verdadeiramente terminado. Embora, claro, o êxtase desta relação sexual, marcado pelo ponto final, indique ao leitor que chegou ao fim.
Abre parêntesis. A verdade é que o fim nunca existe, trata-se apenas de um mudar de agulhas. As palavras escritas dão lugar, a partir de ora, às flutuantes e hipnóticas palavras pensadas. Fecha parêntesis.
Ponto final.
Hazel
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