'Cojones'


A cada passo que damos, estamos a fazer escolhas e a afirmar quem somos. Mesmo que decidíssemos ficar mudos e estáticos como um pisa-papéis sobre uma mesa, continuaria a ser uma escolha nossa. Muitos de nós, por vezes, optamos pelo silêncio e pela ausência de movimento, à espera que tudo passe e que os problemas se resolvam por si mesmos, agarrando-nos ao conceito de resiliência como os limos se agarram às paredes dos aquários.

Mas até a resiliência tem o seu limite, e este reconhece-se quando os ditos limos existem há demasiado tempo e a água começa a ficar turva. A resiliência termina onde começa a auto-negação.

Façamos o que fizermos, sempre haverá quem nos censure, quem se ofenda, quem se melindre, quem se sinta desapontado por não sermos aquilo que se esperava que fôssemos. Sempre haverá quem não acredite que tivemos genuína boa intenção, que fomos honestos, que desejámos e fizemos o bem, não conseguindo ver senão o reflexo da sua própria desconfiança.

Somos presos por ter cão e presos por não o ter. E, por muito que isto nos apoquente, está certo assim. Se todos concordassem sempre connosco, teríamos a determinação de um animal invertebrado; seríamos fracos de carácter, perderíamos a garra, a ambição, o entusiasmo. É preciso que haja atrito, que nos ofereçam resistência, que nos neguem a entrada, para que saibamos o que realmente queremos, até que ponto o desejamos, e qual a dimensão das nossas capacidades. O filme “O Bom, o Mau e o Vilão” seria uma tremenda maçada se fosse apenas “O Bom”.

Nós não somos o que os outros acham que somos. Nem o que esperam que sejamos. Nem, talvez, o que nós próprios acreditamos ser. Não precisamos, sequer, de ter de ser coisa alguma, e apenas a ânsia em querer demonstrá-lo nos impele a tomar decisões que, na verdade, não são as nossas, mas as dos outros.

O arcano Os Enamorados incita-nos a escolher sabiamente, de acordo com aquilo que está em harmonia com quem somos no momento presente. Não existe uma decisão mais franca e honesta que esta, a de honrar a nossa verdade. Digam o que disserem. Pensem o que pensarem. Façam o que fizerem. Nada pode ser mais libertador que assumir a inevitabilidade da verdade.

O abismo está mesmo à nossa frente. Podemos ficar a vida inteira sentados sobre a almofada do medo à espera que apareça uma ponte por artes mágicas. Podemos distrair-nos com o que os outros dizem e fazem, arriscando-nos a ser empurrados. Ou podemos abrir os braços e lançar-nos de vez.

A escolha é sempre nossa, mas só aqueles que tiverem a audácia de abrir os braços e saltar poderão descobrir que talvez o abismo seja do tamanho de um degrau, e toda a profundidade vertiginosa era a dimensão do medo e da resistência a pensarem por si próprios.

Hazel

Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, 28 Abril

No Mundo da Lua


Os velhos rituais pagãos têm viajado em sussurros expirados por lábios femininos ao longo de mais séculos que a memória consegue alcançar, transmitidos de mães para filhas. Perde-se na bruma dos tempos a origem destes saberes subtis, que oscilam como um pêndulo de relógio antigo entre a superstição e a fé em algo maior que nós. 

Embora quase esquecidas, ainda sobrevivem algumas destas práticas, alimentadas pela força do amor. Após esperarem as nove lunações que determinam a data aproximada do nascimento de uma criança, os bebés eram “oferecidos” à Lua pelas suas mães, para que crescessem sob a sua protecção mágica

A Lua sempre deteve um papel misterioso e soberano, orientando os homens que se faziam ao mar, pescadores que acompanhavam as suas fases para saber quando existe mais ou menos peixe, agricultores que esperavam a fase lunar mais propícia para fazer as sementeiras e as colheitas, poetas aluados, trovadores apaixonados, bruxas, videntes e feiticeiras, o ciclo menstrual das mulheres… e os nascimentos.

As mães pegavam no seu bebé e quando o manto prateado da Lua Cheia se estendesse sobre o seu rosto, diziam: “Lua, Lua Luar. Aqui tens o(a) meu(minha) menino(a). Ajuda-mo(a) a criar. Eu sou mãe. E tu és ama. Cria-o tu. E eu dou-lhe mama.” - fielmente transcrito do original, que me foi transmitido pela minha mãe antes da Lua Anciã lhe ter ceifado a vida, pela mãe dela, e estendendo-se por toda a linhagem de mães que as antecederam. Só a Lua sabe quando tudo isto começou.

Já poucas mães o fazem actualmente, embora a Lua se mantenha majestosa no seu reinado cíclico de nascimentos, vida e morte. Contudo, há apenas uma geração atrás, poder-se-ia arriscar dizer que era uma prática quase comum, sempre feita debaixo do pano, longe até do olhar do próprio pai. Eram tempos em que se acreditava no Diabo e nas suas tropelias, sentindo-se a necessidade de proteger as crianças, recorrendo a tudo. Hoje, já ninguém acredita nesta personagem com cascos de bode e tridente, embora se vivam tempos infernais.

Tantos de nós que, sem o sabermos, somos afilhados da Lua. Ainda que não acreditemos nestas crendices populares que atravessaram séculos de fé sustentada pelo amor das mães e, por isso, adquiriram força, a Lua prevalece sempre, assim como a sua influência sobre a Humanidade.

Esta semana, a carta A Lua recorda-nos da nossa ligação com o lado mais subtil da vida. Se andarmos com a cabeça da Lua - aluados, portanto - lembremo-nos dos astronautas que flutuam no espaço, distantes das pequenezas da Terra e, certamente, com uma maior noção do quão insignificantes são os conflitos humanos. Estejamos atentos à nossa intuição e à forma como o Universo comunica connosco.

Tenhamos a noção de que tudo passa. Tudo mesmo. Os bons momentos e os maus. 

As paixões e os temperamentos destemperados. A alegria e a tristeza. Assim como a Lua tem as suas fases, também nós temos de as vivenciar e nelas procurar encontrar o equilíbrio quando o chão nos foge debaixo dos pés e a realidade se desfaz em estilhaços de ilusões desfeitas. Porque às vezes não queremos ver com os olhos do corpo aquilo que a alma sempre soube.

Hazel
Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, 21 Abril

Cinco cabides, um para cada dia da semana


















Hoje descobri que mora dentro de mim o espírito de um mordomo inglês, daqueles muito competentes e eficientes, que planificam tudo com antecedência. God bless! 

Coloquei em 5 cabides um conjunto de roupa para cada dia da semana.

Não quero ter de preocupar-me com o que vou vestir no dia seguinte, nem perder tempo de manhã à procura da roupa, que desaparece engolida pelo roupeiro. Quero uma rotina simples.

Perdi uns 10 minutos a fazer isto, que me trouxe um sentimento de paz, segurança e, mais importante que tudo, vai poupar-me tempo de sono!

Modéstia atirada para o fundo do roupeiro, a ideia é tão boa, que resolvi vir partilhá-la convosco. haha!

Organizada e vitaminada,

Hazel

Nu em Frente ao Espelho

A cor dos olhos pode diferir de indivíduo para indivíduo, mas as pupilas são sempre pretas, em todos os seres humanos.

Se nos aproximarmos o suficiente, conseguimos ver o nosso reflexo nas pupilas de alguém, exactamente como se estas fossem um pedaço de espelho de obsidiana.

A obsidiana é um mineralóide resultante da lava vitrificada dos vulcões. São-lhe atribuídas propriedades mágicas em todo o mundo, desde tempos imemoriais, por se dizer que revela aquilo que está escondido.

Da mesma forma que a lava brota das profundezas da terra, acreditava-se que também os segredos e as respostas guardadas nos locais mais obscuros e recônditos da alma poderiam emergir na superfície brilhante de um espelho negro de obsidiana. Os sacerdotes Aztecas, por exemplo, utilizavam-na para prever o futuro, curar feridas, mitigar a dor e espantar demónios.

Se olharmos para um espelho mágico de obsidiana, a única imagem que conseguimos ver reflectida... é a nossa. Esta é uma das mais belas metáforas da história da magia. Todas as respostas estão em nós, não neste enigmático objecto que apenas devolve a nossa imagem, como outro espelho qualquer.

Não é a obsidiana, em si, que tem o poder de curar as feridas ou de responder às nossas inquietações, mas o acto da auto-observação num espelho negro, tão negro quanto a contraparte luminosa que todos possuímos. Como uma pupila gigante que nos vê por dentro, à lupa.

Assim, desmistificando as propriedades mágicas do espelho negro acima referidas:

Como se podem curar feridas? Tendo a coragem de olhá-las com os nossos próprios olhos, com amor e compaixão. Parando de tentar varrê-las para baixo do tapete e de fingir que não existem.

Como se pode prever o futuro? Avaliando o presente, todas as nossas escolhas até ao momento actual, e dando espaço para uma larga margem de probabilidades improváveis — porque, às vezes, o Universo tem outros planos para nós.

Como se pode mitigar a dor? Olhando-a de frente. Assumindo-a sem cobardia, devorando-a, digerindo-a e tornando-a parte de nós como uma cicatriz que conta uma parte da nossa história.

Como se espantam demónios? Então, mas os demónios existem? Existem, sim.
Moram todos dentro de nós. Chamam-se medo, ganância, arrogância, auto-sabotagem, inveja, ciúme, ira, e mais uma série interminável de nomes que não são estranhos a vivalma. A única forma de espantá-los é cessando o espanto pela sua existência. Assumindo-os, como quem assume um leão que ora nos devora com um apetite voraz e imprevisível, ora dorme aconchegado como um gatinho numa cesta com uma manta macia.

O arcano A Força surge-nos revelador como um espelho negro de obsidiana. Observemo-nos pelos olhos dos outros, nas suas pupilas negras, e vejamos o melhor e o pior de nós. As fraquezas, as vaidades, os orgulhos, os medos, as fúrias.

Podemos prever e até mesmo mudar o futuro, como um autêntico sacerdote Azteca, se tivermos a ousadia de observar com sinceridade e lucidez o nosso comportamento actual e devolvermos flores quando a vida nos oferece pedras. É neste detalhe que mora a magia; “Gentileza gera gentileza”, já dizia o profeta brasileiro José Datrino, aquele que se dizia "amansador dos burros homens da cidade que não tinham esclarecimento”.

Porque aquilo que damos, recebemos.

Hazel
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Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, 14 Abril