'Cojones'

quarta-feira, abril 27, 2016


A cada passo que damos, estamos a fazer escolhas e a afirmar quem somos. Mesmo que decidíssemos ficar mudos e estáticos como um pisa-papéis sobre uma mesa, continuaria a ser uma escolha nossa. Muitos de nós, por vezes, optamos pelo silêncio e pela ausência de movimento, à espera que tudo passe e que os problemas se resolvam por si mesmos, agarrando-nos ao conceito de resiliência como os limos se agarram às paredes dos aquários.

Mas até a resiliência tem o seu limite, e este reconhece-se quando os ditos limos existem há demasiado tempo e a água começa a ficar turva. A resiliência termina onde começa a auto-negação.

Façamos o que fizermos, sempre haverá quem nos censure, quem se ofenda, quem se melindre, quem se sinta desapontado por não sermos aquilo que se esperava que fôssemos. Sempre haverá quem não acredite que tivemos genuína boa intenção, que fomos honestos, que desejámos e fizemos o bem, não conseguindo ver senão o reflexo da sua própria desconfiança.

Somos presos por ter cão e presos por não o ter. E, por muito que isto nos apoquente, está certo assim. Se todos concordassem sempre connosco, teríamos a determinação de um animal invertebrado; seríamos fracos de carácter, perderíamos a garra, a ambição, o entusiasmo. É preciso que haja atrito, que nos ofereçam resistência, que nos neguem a entrada, para que saibamos o que realmente queremos, até que ponto o desejamos, e qual a dimensão das nossas capacidades. O filme “O Bom, o Mau e o Vilão” seria uma tremenda maçada se fosse apenas “O Bom”.

Nós não somos o que os outros acham que somos. Nem o que esperam que sejamos. Nem, talvez, o que nós próprios acreditamos ser. Não precisamos, sequer, de ter de ser coisa alguma, e apenas a ânsia em querer demonstrá-lo nos impele a tomar decisões que, na verdade, não são as nossas, mas as dos outros.

O arcano Os Enamorados incita-nos a escolher sabiamente, de acordo com aquilo que está em harmonia com quem somos no momento presente. Não existe uma decisão mais franca e honesta que esta, a de honrar a nossa verdade. Digam o que disserem. Pensem o que pensarem. Façam o que fizerem. Nada pode ser mais libertador que assumir a inevitabilidade da verdade.

O abismo está mesmo à nossa frente. Podemos ficar a vida inteira sentados sobre a almofada do medo à espera que apareça uma ponte por artes mágicas. Podemos distrair-nos com o que os outros dizem e fazem, arriscando-nos a ser empurrados. Ou podemos abrir os braços e lançar-nos de vez.

A escolha é sempre nossa, mas só aqueles que tiverem a audácia de abrir os braços e saltar poderão descobrir que talvez o abismo seja do tamanho de um degrau, e toda a profundidade vertiginosa era a dimensão do medo e da resistência a pensarem por si próprios.

Hazel

Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, 28 Abril

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