Dinheiro, mulheres e carros

quinta-feira, julho 14, 2016

foto: sutterstock



“Carros, mulheres e dinheiro nunca se emprestam.” 

Há lá afirmação mais machista que esta, que reduz o valor de uma mulher ao de um bem material que se possui, como um carro ou um maço chorudo de notas. Todos nós crescemos a ouvir esta frase e muitos até já a repetimos em alguma ocasião, sem pensar bem no que estamos realmente a dizer, perpetuando uma programação mental de desvalorização humana que atravessa gerações de pessoas convencidas que evoluem nuns sentidos, mas involuem noutros.

Tempos houve em que os homens se juntavam para jogar a dinheiro e perdiam tudo o que tinham, acabando por apostar as próprias mulheres. E não foi há tanto tempo assim. No entendimento de quem criou o provérbio, talvez pretendesse tecer um generoso elogio ao sexo feminino como tesouro que é, tão valioso quanto um Jaguar, essa bela máquina que desliza por curvas sinuosas, onde o condutor se agarra à manete das mudanças num êxtase quase sexual enquanto mete a quarta a fundo para passar o sinal laranja, o limite entre os que ficam e os que vão, entre os que ousam e os que se resignam. O carro, a conta recheada e a beldade sentada no banco do lado, é ou não é o epítome do sucesso para a grande maioria dos elementos do sexo masculino?

Para que ninguém me acuse de feminismo extremo ou ingratidão, há que reconhecer a boa intenção, ainda que gorada, por trás de tal conjunto de palavras: o que nos é precioso deve ser protegido e preservado. Vamos tentar esquecer que os carros podem ser comprados, trocados, experimentados, abandonados ou entregues para a sucata. Que o dinheiro pode ser transaccionado. E que até pode haver algumas mulheres que se vendam por dinheiro. É um mundo cão.

Ainda assim, ninguém é obrigado a viver como um asceta e a abraçar os valores que inspiram as ideologias mendicantes, renegando os prazeres da matéria. Quase ninguém o faz, ainda que todos censurem aqueles que assumem o materialismo com naturalidade. Somos feitos de carne e osso, de fome e sede, de erotismo e de vaidade. E quase sempre desdenhamos nos outros aquilo que negamos a nós mesmos.

Esta semana, a carta Rei de Ouros inspira-nos a encontrar um equilíbrio entre os valores visíveis e os invisíveis. Uns não têm de anular os outros. Carros, mulheres e dinheiro nunca se emprestam - mas preservam-se. Os carros e o dinheiro, pelo risco de não serem restituídos, ou de serem devolvidos danificados (no caso dos carros) - um direito incontestável naqueles que trabalharam para o conseguir. As mulheres, porque não são de ninguém para poder ou não emprestar. 


Próspero é aquele que sabe amar e sabe fazer-se amar, conseguindo distinguir o valor das pessoas do das coisas. A abundância, sob todas as suas formas, é um direito de todos; negá-la ou mantê-la sob o peso da culpa não garantem conquista espiritual. Que o diga a instituição religiosa mais rica do mundo e que mais recomenda a pobreza como via da virtude.

Hazel
Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo

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