Amar o Amor

quarta-feira, setembro 28, 2016


Calem-se os violinos sensíveis e agudos acariciados por longos dedos magros, hábeis e draculinos que tangem sonhadores os deslumbres do romantismo. Poupe-se a beleza perfumada das rosas vermelhas ao sacrifício acutilante do amor que, de tesoura em riste, se sobrepõe egoisticamente aos desígnios da Natureza.

Repouse placidamente a caneta de aparo do poeta sôfrego sobre as folhas de papel branco, virgens de tinta, imaculadas de palavras vãs. Arrumem-se os sapatos de dança de camurça azul, roçados uns nos outros em promessas, insinuações, avanços e recuos de arrojo libertino.

Creio que o amor está gasto. Tudo o que houvesse a ser escrito sobre o amor, já foi amplamente redigido em prosa, poesia, hieróglifos, sinais de fumo, emojis e corações entalhados a navalha nos troncos das árvores.

Esgotaram-se as demonstrações insensatas, insanas e até mesmo ilegais de tão grande sentimento que nem já o mundo tem espaço que chegue para albergá-lo; estendendo-se para além da estratosfera, inundando miríades de estrelas salpicadas no céu – as mesmas para onde lançamos desejos secretos nas noites quentes de Verão. 

Já se explorou todas as definições do amor para explicá-lo àqueles cuja euforia apaixonada deseja elucidar, entretecendo palavras, ideias, fantasias e desvarios. Nada mais há a dizer, a demonstrar, a provar, a classificar. O amor está dito. E feito. Catalogado, esquadrinhado, analisado micro e macroscopicamente. Tudo o mais é-nos redundante e indutor de náusea por excesso de sacarose.

Das brumas misteriosas do acaso, surge o arcano Ás de Copas, trazendo a ambiciosa missão de inspirar-nos a encontrar novas formas de amar e de viver o amor. Pelos mamilos de Afrodite!, exclamei, justificadamente, ao vê-la.

Perguntei ao Amor que poderia eu, comum mortal que não descende de Fernando Pessoa, nem tão-pouco de poeta algum, escrever que pudesse inspirar os bons olhos que lêem estas palavras a amar mais e melhor. Estupefacta pela assertividade da resposta, ei-la: o Amor manda dizer que está cansado de andar nas bocas do mundo — e longe dos corações.

Que se ame e mais nada. Sem um poema polvilhado de açúcar-pilé, sem uma flor arrancada e embrulhada em papel celofane cor-de-rosa com um laçarote, sem uma melodia gulosa e sedutora a acompanhar, ou a lascívia de um passo de dança a insinuar volúpias por desvelar. Simplesmente, ame-se. Pois o amor é estrada que se percorre e não veículo que se conduz.

Hazel
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Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição 1600

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