Ou fumam todos, ou não fuma nenhum


Portugal está dividido em dois. De um lado, espetam-se dedos indicadores manchados de amarelo-nicotina, ferozmente indignados com a possibilidade da proibição de fumar nas praias. Reclamam, entre baforadas desesperadas de fumo cinzento, que é uma forma de ditadura, um ridículo atentado à sua liberdade, que não tem jeito nenhum, que não cabe na cabeça de ninguém.

Do outro lado, encontram-se, em estado zen, os saudáveizinhos para quem o cinzeiro do carro serve só para pôr as moedas. Satisfeitos e aliviados por finalmente poderem inspirar o perfume da maresia na época balnear, sem o indesejável fumo egoicamente exalado — pelos outros —, desejam que a abençoada lei seja aprovada o mais depressa possível.

Ora, depois da proibição de fumar em espaços fechados, voltamos a aborrecer-nos uns com os outros por causa dos espaços abertos; quando ainda mal tivemos tempo de superar o choque da prepotência de Miguel Sousa Tavares: quando questionado, na época, sobre a questão das crianças respirarem o fumo do tabaco nos restaurantes, sugeriu que os pais se abstivessem de as levar a lugares públicos, até porque o barulho delas era mais incomodativo que o fumo. Por aqui se vê os malefícios do excesso do tabaco. Ainda assim, teve que se submeter à nova lei, tal como os demais indivíduos-inaladores-e-exaladores de fumo.

Concordo que não se deve condicionar a liberdade dos outros. É um direito absolutamente inquestionável. Querem fumar, fumem. Que inalem todo o fumo que lhes aprouver (como dizia o outro, quando morrerem, vão de costas). O que não podem é exalá-lo junto de quem não partilha o seu vício. Explicando o óbvio: é tão inaceitável como qualquer outro toxicodependente andar a injectar as drogas que toma no corpo dos outros. Só não parece tão mau. Mas é.

Inalem isto de uma vez por todas: a questão que se trata aqui não é a de privar alguém da liberdade de fumar. Trata-se, sim, do exercício da liberdade de escolha para os outros, os que não querem ser fumadores passivos.

Esta semana, o arcano Roda da Fortuna recorda-nos que nada pode ser tomado por garantido e permanente. Nem as leis, nem os costumes, nem a vida. Vêm aí novos tempos, de ar limpo e oxigenado. Talvez doa um bocadinho ajustarem-se, especialmente no ego. Mas, se isto vos serve de consolo, leitores fumadores-furibundos: em Nova Iorque, onde desde 2011 foi aprovada a proibição de fumar em parques e praias, os resultados foram de uma melhoria na saúde geral da população, com menos registos de enfartes do miocárdio e idas às urgências. E esta, hein?

Hazel
Consultas em Oeiras e online

Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição 1625
foto: Hans, licença CC0

Por Vossa Conta e Risco


Sou uma ladra de molas da roupa. Assumo este pequeno e desavergonhado prazer que sinto de surripiar as molas caídas no chão junto aos prédios.

Nem é pelo valor (quanto custa um pacote de molas, um euro, dois?), mas pelo mesmo tipo de satisfação que leva o safardanas dos meu gato a abocanhar um filete de pescada deixado na bancada da cozinha quando vou atender o telefone.

Ou que, aos dez anos, tocava as campainhas todas da rua quando vinha da natação — até um dia uma vizinha fazer-me uma espera, escondida de cócoras atrás de um arbusto de erva-das-pampas, e ameaçar agarrar-me “p’las gadelhas qu’até andas de lado” se voltasse a repetir a façanha (foi remédio santo).

Digo mais: tenciono fazer perdurar o travesso delito até que um dia algum queixoso me aponte uma mola acusadora e ameace entalar-me a ponta do nariz com ela. Ou outra parte do corpo, deuses me protejam as carninhas tenras. A vida de larápio tem os seus riscos.

Não me desculpo por isso, que as desculpas pressupõem arrependimento e não tenho pinga de remorso (nem de vergonha). Também não fico apoquentada quando são os outros a apanhar as molas que deixo cair. É a lei da selva, no universo dos estendais; quem chega primeiro, caça as molas.

Creio que só adquiri molas da roupa uma vez, lá para os idos de 2010, da forma tradicional — compradas no supermercado. Não teve encanto: estacionei a viatura, paguei o parquímetro e senti-me logo gamada. De seguida, tive de gratificar o arrumador por serviço algum senão o de evitar que este causasse estragos intencionais no meu nobre corcel.

Já dentro do supermercado, comprei yogurte grego, fabricado em Espanha; carne nacional, importada da América do Sul, e três pacotes de molas da roupa numa daquelas promoções leve-três-pague-dois, embora o valor, se fizéssemos as contas, fosse dar ao mesmo.

O arcano Sete de Espadas surge-nos esta semana pela calada da noite, ardiloso e tentador, a desafiar-nos a pular a cerca para ver o que há do outro lado. Tenho cá para mim, eu que só apanho as molas caídas junto à cerca, que do lado de lá existe uma daquelas marquises de apartamento tipicamente portuguesas, onde se encafuam as máquinas de lavar roupa.

É que cheira sempre a limpinho quando leio as notícias no jornal, com tanta referência a lavagem de dinheiro, ou branqueamento de capitais para quem prefere um programa de lixívia, com detergente offshore.

Hazel
Consultas em Cascais, Oeiras e online

Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição 1624
foto: do meu estendal de meias

O Breviário do Homem: tudo o que se espera de um macho man


SE ÉS HOMEM, vais emocionar-te por finalmente alguém do sexo oposto reconhecer as exigências que se esperam de ti desde que o biberão deu lugar à garrafa de cerveja.

Porém, não verterás uma lágrima. 
Porque acreditaste quando alguém te disse que "os homens não choram".

Em casa
Tens de sacrificar espaço no roupeiro. Quando digo espaço, refiro-me a muito espaço. O ideal é que coloques as tuas roupas todas num só cabide e cedas todo o resto do roupeiro. 

Quando aparecem baratas, aranhas, centopeias ou cobras-cascavel em casa, és tu que resolves. E, porque és homem, não podes ter medo — medo, que é lá isso? 

És tu que tratas das tarefas domésticas nojentas, como desentupir o sifão da cozinha (ou a sanita, abençoado). Além disso, também tens de saber reparar torneiras que pingam, trocar o silicone bolorento da banheira e fazer puxadas de electricidade.

Carros
Consegues estacionar à primeira em lugares impossíveis. Com uma mão no volante.
Não necessitas de GPS; tu és o GPS. Sabes sempre o caminho e nunca te perdes nem precisas de parar para pedir direcções. Espera-se também, sempre que necessário, que saibas mudar e calibrar pneus, verificar o óleo e percebas de mecânica. 

Com as mulheres
Tens de defender a honra da tua mulher, estando sempre pronto para andar à porrada, independentemente do outro tipo — o prevaricador — ser um latagão de dois metros e tu não chegares ao metro e sessenta. 

Abdicas sem pestanejar do teu casaco se ela estiver com frio, mesmo que tenha três camisolas polares e tu fiques com uma pneumonia a seguir. Homem que é homem, não tem frio. Rrrr!
Tens de ceder passagem às mulheres, feministas incluídas (aguenta).

Personalidade
Não podes chorar. Tens de ser corajoso, seguro de ti, independente, protector e forte como o Tarzan. És tu que carregas as compras, a bilha do gás e tudo o que for pesado; além de abrires frascos. Tens de saber fazer fogueiras. E perceber de futebol. E de tudo em geral.
É também sensato que desenvolvas capacidades telepáticas; vai facilitar muito na relação com o sexo oposto:

— O que tens, minha biscoitinha linda? — tu para ela.
— Nada — responde ela, secamente. Tu aí sabes que "nada" é tudo. E tens de te safar a ler pensamentos.

Arriscar a vida
Atiras-te de peito para a frente, sempre pronto para arriscar a vida. Se houver um barulho esquisito a meio da noite, és tu quem se levanta. Se houver uma guerra, vais tu primeiro. Animais ferozes, metes-te à frente para proteger a tua mulher. 

Catástrofes naturais — calma!, onde é que vais com tanta pressa? Nesse caso, vão as mulheres, as crianças e os idosos à frente. Tu és o último a ser resgatado. Desculpa aí, macho man. 😃

Às voltas com a tampa de um frasco,

Hazel

“Ponha esse Coração a Funcionar”


Cabelo preto curtinho e fino como pêlos de pincel-de-aguarelas, a previsível nuvem de perfume antigo e os envelopes dos exames médicos debaixo das mãos trémulas e enrugadas. Os seus olhos acinzentados e pequeninos de rato observavam-me com agudeza perscrutando o que levaria uma sirigaita da minha idade, coradinha, bem-disposta e luzidia, sem estar grávida, ao centro de saúde tirar o lugar a quem precisa.

Baixei a cabeça para o meu livro. A senhora do cabelo de pincel-de-aguarelas manteve o olhar na mesma direcção, mas sem nada ver, como se o tempo — o seu tempo — tivesse feito uma breve pausa para retemperar forças.

Oiço finalmente o meu nome ser chamado numa voz clínica e fria como o metal da agulha de uma seringa (porque será que as enfermeiras têm sempre aquele tom incisivo que nos antecipa algo doloroso?).

Levanto-me atabalhoadamente, deixando cair a carteira para o chão. Espalham-se os cartões do supermercado, da biblioteca, do combustível e talões nem-sei-de-quê, que recolho à pressa para não fazer esperar o Senhor-Doutor.

Apresso o passo, entro educadamente no consultório, fecho a porta atrás de mim e cumprimento o médico com um aperto de mão onde as minhas falanges são comprimidas com vigor. O meu médico tem sempre aquela atitude salutar e vitaminada, de quem foi criado a tomar óleo-de-fígado-de-bacalhau todas as manhãs.

De olhos franzidos postos no computador e óculos na ponta do nariz, consulta eficaz e rapidamente o meu histórico. Entrego-lhe os resultados dos exames que me tinha mandado fazer e aguardo o veredicto com dramatismo, como se toda a minha vida dependesse daquele momento. Empurra os óculos para o topo da cana do nariz e afasta os papéis para ver melhor ao longe:

— Ponha esse coração a funcionar — lançou o médico na sua voz de médico, clara e firme, enquanto pousava o electrocardiograma.

Por segundos, a romântica idiota em mim ficou embevecida a pensar que ele queria dizer que tenho de amar mais. Ah que lindo. Ainda esbocei um sorriso pateta, que logo procurei disfarçar quando realizei que, afinal, o que se pretende é que eu faça mais exercício.

Saí do consultório com asas nos pés, tamanha a satisfação. Ainda não é desta que se livram de mim. A senhora dos olhinhos de rato apanhou-me a rir sozinha pelo corredor. Penso que achou que o meu problema seria de ordem mental, o que ainda me fez rir mais. É uma injustiça que o riso seja socialmente aceite apenas se estivermos acompanhados e que sejamos olhados com descrédito quando nos apanham a rir sozinhos.

O arcano Seis de Copas inspira-nos a reencontrar a leveza e a capacidade de manter o sentido de humor em todas as circunstâncias. Para quê tanta seriedade.
O riso cura. Se não curar, alivia. Se não aliviar, tomem óleo-de-fígado-de-bacalhau.

Hazel
Consultas em Cascais, Oeiras e online
Marcação: casa.claridade@gmail.com

Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição 1623
foto: voltamax, licença CC0

Crónica Imprópria para Aracnofóbicos


Tenho uma aranha na sala. Não sei bem onde, mas anda por lá, umas vezes encolhida e introspectiva no canto entre o tecto e a parede do sofá, outras feita lambisgóia atrevida suspensa sobre a porta de entrada, como quem se prepara para pregar um susto aos que entram desprevenidos.

É meio cigana; anda sempre para cá e para acolá sem endereço fixo. A Dona Urraca — é assim que lhe chamo — não faz teia-de-aranha. Com muita pena minha, que aprecio a impecável engenharia de fios de seda entrelaçados com exactidão matemática e individualmente afinados como cordas de violino. Esta é uma aranha afoita, de nariz empinado se o tivesse, que não troca a liberdade pela segurança e nunca há-de assentar. É uma filósofa, uma aventureira, das que caçam para se alimentar em vez de ficar pacientemente sentada sobre as oito patas na teia à espera que o almoço lhe caia por distracção mosquitídea.

Já a do espelho lateral do meu carro — paz à sua alma, que se finou na última ida à lavagem automática — fazia belíssimas teias-de-aranha que resistiam à chuva, ao vento e à velocidade. Mais do que uma companheira de viagem, era um valoroso sidecar aracnídeo que conhecia todos os meus caminhos, atalhos e desvios; possuía as capacidades místicas de um oráculo animal na antevisão de engarrafamentos; para além de fazer com despudorada habilidade aquele gesto com duas patas aos automobilistas que se impacientavam comigo nas raras ocasiões que me atrevi a conduzir em Lisboa. Só comia fast-food, consoante a fauna voadora dos locais por onde viajámos se ia escarrapachando velozmente contra a teia. É certo que fiquei com o veículo mais digno e limpo, sem teias-de-aranha no espelho, porém passei a perder-me mais vezes.

Talvez a aranha de casa fosse mais feliz a viajar no carro, e a do carro tivesse encontrado maior conforto sossegadinha na sua teia sem ninguém que a apoquentasse ali no cantinho da sala junto ao sofá. Explicou-me a Dona Urraca, que me viu acabrunhada neste desvario existencialista, tragicamente a transpor para mim a analogia —, que a nossa casa é dentro de nós. A Dona Urraca é uma aranha batida; já viajou muito na vida, desde a parede do sofá até à porta de entrada da sala. Logo deduzi que até no meio dos meus livros essa saltimbanca andou, pois era o Mário Quintana que dizia “eu moro em mim mesmo”. Sorrio constatando que as minhas aranhas sabem mais que eu.

O arcano Dez de Ouros incentiva-nos a observar o local onde vivemos sob diferentes perspectivas e a ordená-lo, afiná-lo com delicadeza aracnídea, encontrando o lugar para cada coisa - e um sentido para tudo.

Dentro de casa e, como diz a Dona Urraca, que gosta de Mário Quintana — dentro de nós.

Hazel
Consultas em Cascais, Oeiras e online
Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição 1622
foto: bernswaelz, licença CC0

As gordas e as magras


Com excepção daquelas sacanas d'um raio que não são magras nem gordas, todas as mulheres vão compreender:

Barriga
Se és gorda e tens barriga, ficam na dúvida se é por seres gorda ou se estás grávida.
Se és magra e tens barriga, têm a certeza que estás grávida, mesmo que seja de uma feijoada.

Críticas
Se és gorda, criticam-te porque és gorda.
Se és magra, criticam-te porque és magra.

Roupas que não te servem
Se és gorda, vais ter sempre aquelas roupas que te ficam justas e por isso te fazem sentir desconfortável, que guardas na esperança de vir a emagrecer um dia.

Se és magra, vais ter sempre aquelas roupas que te ficam largas e por isso te fazem sentir desconfortável, que guardas na esperança de vir a engordar um dia.

As de tamanho diferente
Se és gorda, achas que as magras não te compreendem verdadeiramente.
Se és magra, achas que as gordas não te compreendem verdadeiramente.

Sonhos
Se és gorda, gostavas de ser mais magra. Mais do que ter uma casa com piscina.
Se és magra, gostavas de ser mais gorda. Mais do que ter uma casa com piscina.

Pijama
Se és gorda, achas que ficas mal de pijama.
Se és magra, achas que ficas mal de pijama.

Mas quem é que alguma vez fica bem de pijama, com excepção, talvez, das sacanas d'um raio que não são magras nem gordas?

Como se referem a ti
Se és gorda, estás habituada que se refiram a ti como aquela que é forte. Ou mesmo a gorda
E acham sempre que és mais velha do que és.

Se és magra, estás habituada que se refiram a ti como aquela magrinha. Ou a magricelas
E acham sempre que és mais nova do que és (não, nem sempre isso é uma vantagem).

Os olhares das outras
Se és gorda e uma magra olha para ti, julgas que te está a criticar.
Se és magra e uma gorda olha para ti, julgas que te está a criticar.

Às vezes não está. Só está a olhar para ti porque estás ali. Porque existes.

Novamente, as roupas
Se és gorda, tentas sempre escolher roupas que te façam parecer mais magra.
Se és magra, tentas sempre escolher roupas que te façam parecer mais gorda.

Os nomes que já te chamaram
Se és gorda, já te chamaram nomes que ainda hoje magoam quando te lembras.
Se és magra, já te chamaram nomes que ainda hoje magoam quando te lembras.

Planos nunca concretizados
Se és gorda, já ouviste milhões de vezes - sem contar com aquelas que foste tu a dizê-lo a ti mesma - "tens que emagrecer".

Se és magra, já ouviste milhões de vezes - sem contar com aquelas que foste tu a dizê-lo a ti mesma - "tens que engordar".

Elogios
Se és gorda, já ganhaste o dia quando alguém comenta: "Estás mais magra!" 
Até pode estar tudo a correr mal, mas tu estás mais magra. Viva!

Se és magra, já ganhaste o dia quando alguém comenta: "Estás mais gorda!" 
Até pode estar tudo a correr mal, mas tu estás mais gorda. Viva!


Escrito por uma mulher magra que espera que um dia todas as mulheres se amem, respeitem e aceitem a si próprias e umas às outras exactamente como são. 

Porque as gordas são iguais às magras. E as magras às gordas. 
E gordas e magras são iguais às sacanas d'um raio que não são gordas nem magras.

Com amor, para todas as mulheres,

Hazel

De raízes bem assentes no chão


Não me atrevo a reproduzir nestas respeitáveis páginas o palavrão que me invadiu os pensamentos quando li a notícia sobre a oliveira milenar de Mouriscas - mas afianço-vos que era um exemplar vernacular escandaloso e com pêlos púbicos. Tão depressa li a notícia publicada n’O Ribatejo, logo a partilhei - deixando de fora o genital vocábulo -, sem conter toda a indignação que me assolou. Como um rastilho aceso, a revolta propagou-se imediatamente por centenas de pessoas de Norte a Sul de Portugal, Reino Unido e até mesmo no Brasil.

Guilherme Falcão Rosa, vereador de Lambeth, Londres, pretendia arrancar uma oliveira da freguesia de Mouriscas, Ribatejo, para replantá-la numa praça londrina, em comemoração da aliança luso-britânica. Esclareceu o equívoco de se tratar da oliveira mais antiga de Portugal, com 3350 anos, convicto que já seria ‘aceitável’ transplantar um outro exemplar, que fosse, no mínimo, mais antigo que o tratado de Windsor, assinado em 1386 (para quem teve preguiça de fazer as contas, foi há 631 anos).

Está tudo errado. Primeiro, uma árvore não é um objecto de que se possa dispor - em particular, uma árvore secular, que deveria ser intocável, sagrada. Não é o mesmo que ir ali ao mercado de Santarém comprar uma árvore num vasinho de plástico para plantar no quintal.

Segundo, uma oliveira dificilmente sobreviveria no clima londrino. Iria acabar por morrer, se não pela violência do transplante, pela diferença climatérica. Guilherme Rosa, focado no protagonismo imediato, preferiu ignorar esses ‘detalhes’, considerando-os má vontade das pessoas, que não o queriam deixar trabalhar.

“Guilherme, deixa-te de parvoíces!”, exclama um dos seus amigos na sua página pública, sucedido por largas dezenas de outros protestos. Houve mesmo quem manifestasse o desejo de oferecer o próprio Vereador GFR como presente, em lugar da oliveira, desculpando-se como as tias idosas quando oferecem cuecas pelo Natal: “É fraquinho, mas é de boa-vontade”.

Guilherme Rosa marchou como um soldado teimoso descompassado de todo o pelotão de protestos, clamando que ele é que estava certo, numa atitude caprichosa e obstinada.

Em poucas horas, já circulava uma petição que se opunha à inusitada ideia, que rapidamente contou com mais de um milhar de assinaturas. A petição, assim como as pressões exercidas pelas redes sociais e pelo PAN, levaram o executivo de Lambeth a abandonar a ideia.

GFR considerou, em declarações prestadas à comunicação social, a campanha contra o seu projecto “vil e pérfida”. Contudo, aconteceu, justamente, o oposto. A oliveira foi salva graças à bondade de milhares de pessoas que se juntaram por um bem superior, demonstrando que o amor pela Natureza está vivo e de boa saúde.

Esta semana, o arcano O Mago inspira-nos a levar avante aquilo em que acreditamos. Se conjugarmos, nas medidas certas, mente e coração, acção e sensatez, tudo pode acontecer. 
Até mesmo unir milhares de pessoas para mudar o destino de uma árvore.

Hazel
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Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição 1621
foto: Julie-Kolibrie, licença CC0