De raízes bem assentes no chão

quinta-feira, março 02, 2017


Não me atrevo a reproduzir nestas respeitáveis páginas o palavrão que me invadiu os pensamentos quando li a notícia sobre a oliveira milenar de Mouriscas - mas afianço-vos que era um exemplar vernacular escandaloso e com pêlos púbicos. Tão depressa li a notícia publicada n’O Ribatejo, logo a partilhei - deixando de fora o genital vocábulo -, sem conter toda a indignação que me assolou. Como um rastilho aceso, a revolta propagou-se imediatamente por centenas de pessoas de Norte a Sul de Portugal, Reino Unido e até mesmo no Brasil.

Guilherme Falcão Rosa, vereador de Lambeth, Londres, pretendia arrancar uma oliveira da freguesia de Mouriscas, Ribatejo, para replantá-la numa praça londrina, em comemoração da aliança luso-britânica. Esclareceu o equívoco de se tratar da oliveira mais antiga de Portugal, com 3350 anos, convicto que já seria ‘aceitável’ transplantar um outro exemplar, que fosse, no mínimo, mais antigo que o tratado de Windsor, assinado em 1386 (para quem teve preguiça de fazer as contas, foi há 631 anos).

Está tudo errado. Primeiro, uma árvore não é um objecto de que se possa dispor - em particular, uma árvore secular, que deveria ser intocável, sagrada. Não é o mesmo que ir ali ao mercado de Santarém comprar uma árvore num vasinho de plástico para plantar no quintal.

Segundo, uma oliveira dificilmente sobreviveria no clima londrino. Iria acabar por morrer, se não pela violência do transplante, pela diferença climatérica. Guilherme Rosa, focado no protagonismo imediato, preferiu ignorar esses ‘detalhes’, considerando-os má vontade das pessoas, que não o queriam deixar trabalhar.

“Guilherme, deixa-te de parvoíces!”, exclama um dos seus amigos na sua página pública, sucedido por largas dezenas de outros protestos. Houve mesmo quem manifestasse o desejo de oferecer o próprio Vereador GFR como presente, em lugar da oliveira, desculpando-se como as tias idosas quando oferecem cuecas pelo Natal: “É fraquinho, mas é de boa-vontade”.

Guilherme Rosa marchou como um soldado teimoso descompassado de todo o pelotão de protestos, clamando que ele é que estava certo, numa atitude caprichosa e obstinada.

Em poucas horas, já circulava uma petição que se opunha à inusitada ideia, que rapidamente contou com mais de um milhar de assinaturas. A petição, assim como as pressões exercidas pelas redes sociais e pelo PAN, levaram o executivo de Lambeth a abandonar a ideia.

GFR considerou, em declarações prestadas à comunicação social, a campanha contra o seu projecto “vil e pérfida”. Contudo, aconteceu, justamente, o oposto. A oliveira foi salva graças à bondade de milhares de pessoas que se juntaram por um bem superior, demonstrando que o amor pela Natureza está vivo e de boa saúde.

Esta semana, o arcano O Mago inspira-nos a levar avante aquilo em que acreditamos. Se conjugarmos, nas medidas certas, mente e coração, acção e sensatez, tudo pode acontecer. 
Até mesmo unir milhares de pessoas para mudar o destino de uma árvore.

Hazel
Consultas em Oeiras e online

Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição 1621
foto: Julie-Kolibrie, licença CC0

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