“Os pulmões têm-se um ao outro para conversar, mas eu apenas te tenho a ti.
Como me tens ignorado, resolvi sair para falar contigo.”
Quanto mais nos esforçamos por acalmá-lo, mais exigente e indisciplinado ele se revela, qual tsunami que galga muros, paredes, edifícios, e leva tudo à frente sem pedir licença.
Procuramos simular a normalidade das pessoas auto-controladas fazendo as actividades rotineiras de todos os dias: vestimo-nos como sempre, mas colocamos a roupa do avesso, de fragilidades expostas, perfumamos os nervos à flor da pele e damos um nó no cachecol tão apertado como o que sentimos na garganta. E saímos assim, de cara lavada para enfrentar um mundo que se tornou demasiado complicado e cheio de alíneas e ressalvas para alguém que apenas queria ser feliz.
Sentamo-nos ao volante do carro, colocamos o cinto de segurança, e fazemos o mesmo caminho de sempre, já em piloto-automático. É então que o coração, sentado no banco do lado, de braço de fora e com um olhar impaciente, nos lança a primeira pergunta, que sai como um soco certeiro no estômago:
“Será que vai ser sempre assim, para o resto da vida? É esta a vida que tu queres?”
Há algum tempo que nos sentíamos à deriva, de um lado os sonhos, do outro as obrigações. E no meio, a nossa pequena jangada cheia de furos, que deixa entrar mais água do que deveria. Esta indagação proveniente do nosso órgão cardíaco atirou-nos para um canto como um pedaço de papel amassado. Em cheio.
E agora, o que fazer? O coração, depois de sair do peito, é como uma criança impertinente. Não nos vai deixar nem se cala enquanto não lhe respondermos às perguntas e explicarmos porque é que não lhe estamos a proporcionar aquilo que deseja. E ai de nós se o contrariamos ainda mais, que ele tem um protocolo com os nossos olhos, e coloca-os a verter água quando menos desejamos, em protesto.
Não há como enganar os nossos sentimentos e fugir às suas manifestações. A única forma de repôr a ordem e colocar o coração de volta no peito, sereno e compassado, é escutá-lo sem interferências externas, e aceitar que a sua vontade é soberana.
Quando o seu desejo é genuíno e proveniente do verdadeiro amor, o Universo acabará por se tornar seu cúmplice. Temos de acreditar que isto é verdade.
Enquanto acreditarmos, os sonhos e o romantismo ainda vivem.
Enquanto acreditarmos, ainda é possível realizarmos...
Hazel
Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, 11 Fevereiro
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