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Plano de fuga da loiça por lavar


Quando me distraio, perco-me dentro de mim. A última vez que tal aconteceu, foi enquanto lavava a loiça. Abençoada distracção, que me salvou dos restos de molho de tomate ressequido colado no fundo do tacho. Enquanto as minhas mãos, lá longe, esfregavam com o lado verde da esponja em movimentos circulares que corriam contra o sentido dos ponteiros do relógio, o resto de mim caminhava de pés nus por um longo corredor cheio de portas dos dois lados.

Todas entreabertas, à espera que eu escolhesse uma para entrar. Talvez noutra ocasião.
O corredor parecia estender-se infinitamente à minha frente. Uma passadeira de cor verde-seco crescia e serpenteava como uma língua de musgo fofo, abafando o som dos meus passos.

Subiam trepadeiras como braços que ondulavam e beijavam em silêncio as paredes antigas.
O ar quase se liquefazia, fresco, húmido e doce como a manhã a nascer junto de uma fonte de água corrente. Suspensos no tecto, os candelabros cintilavam como silfos luminosos.

Não queria que aquele corredor acabasse e, ao mesmo tempo, ansiava por descobrir que deslumbres encontraria no fim. Sobre a minha cabeça voavam passarinhos pequenos e coloridos, que me acompanhavam em bando e uma coruja branca, que pousou no meu ombro e falou:
- Então, não fechas a torneira?
- Então, não fechas a torneira?
- Então, não fechas a torneira?

Surpreendida com a inesperada pergunta, virei o rosto, e era o meu filho com o pano da loiça aos quadradinhos à espera que eu acabasse de passar o tacho por água.

Hazel
foto: Peter Oswald, licença CC0
Cronista, Viajante no Tempo, Terapeuta, Taróloga, Tradutora, Professora.

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