NÃO HÁ REMÉDIO que te cure essa urticária, Jeremias. Enfiou-se-te por entre os dedos das mãos e dos pés (não vamos contar aos senhores sobre as zonas pudibundas onde ela também comicha, fica descansado, hã).
Todo tu comichas em formigas-de-asas peludas e invisíveis que te alfinetam a cútis e o ânimo. Não te mexes, empastelado como os pastéis-de-bacalhau fritos há uma semana na tasca no Javardo. Esperas que alguém te apresente garantias para arriscar — e fazer algo da tua vida.
Ninguém o vai fazer, inocente pastel. As pessoas não querem saber. Estás por tua conta desde que nasceste.
Bom Jeremias, a única garantia que temos na vida é a morte (e os impostos, esses também são certos). E, Jeremias, não é já a morte, por si, garantia suficiente para te agarrares à vida com as mesmas ganas com que te agarras à testiculária quando a urticária se te assanha?
A morte passou de alegoria de capa preta em noite-de-bruxas a realidade bruta quando a viste no rosto lívido daqueles a quem já disseste adeus, mas nem assim aprendeste.
Bom Jeremias, a única garantia que temos na vida é a morte (e os impostos, esses também são certos). E, Jeremias, não é já a morte, por si, garantia suficiente para te agarrares à vida com as mesmas ganas com que te agarras à testiculária quando a urticária se te assanha?
A morte passou de alegoria de capa preta em noite-de-bruxas a realidade bruta quando a viste no rosto lívido daqueles a quem já disseste adeus, mas nem assim aprendeste.
Quando a memória fria e metálica da foice sinistra se te olvidou do coração, voltaste ao de sempre: que a ossuda só leva os outros e se vai esquecer de ti. Ninguém acredita nela, com excepção dos que receberam más notícias do médico, os poetas e os desesperados.
Aconchegado no sofá que já tem o molde do teu corpo pesado e indolente, ficas a olhar para a porta da rua à espera de ouvir bater:
Só que não. Enquanto estiveres vivo, estás a jogo e podes sempre reformular as tuas escolhas. Que esperas? A vida não te vai bater à porta, porque ela já vive na tua casa.
Aconchegado no sofá que já tem o molde do teu corpo pesado e indolente, ficas a olhar para a porta da rua à espera de ouvir bater:
«Abre, em nome da Vida!
Trago as garantias que precisas.
A meu lado, vêm a Fada-dos-Dentes, o Pai Natal e o Coelho-da-Páscoa, como testemunhas.
E uma bacia de água-de-malvas. Para o prurido.»
Só que não. Enquanto estiveres vivo, estás a jogo e podes sempre reformular as tuas escolhas. Que esperas? A vida não te vai bater à porta, porque ela já vive na tua casa.
Além de que as portas são propriedade da morte. E as janelas, da vida.
O arcano Sete de Copas aparece como uma urticária inesperada em zonas indecentemente impróprias, atiçando-nos a tomar decisões e a fazer escolhas enquanto não passamos para o reino-que-há-de-vir.
A ver se quando chegar a hora de transpor a porta de saída, os anjos deixam de se deprimir com a costumeira expressão (desa)finada de lamento, por morrer sem ter vivido; de quem permaneceu na eterna espera da divina garantia de que viver não seria arriscado demais. Acorda e abre as cortinas, Jeremias. Ai Jeremias, Jeremias.
O arcano Sete de Copas aparece como uma urticária inesperada em zonas indecentemente impróprias, atiçando-nos a tomar decisões e a fazer escolhas enquanto não passamos para o reino-que-há-de-vir.
A ver se quando chegar a hora de transpor a porta de saída, os anjos deixam de se deprimir com a costumeira expressão (desa)finada de lamento, por morrer sem ter vivido; de quem permaneceu na eterna espera da divina garantia de que viver não seria arriscado demais. Acorda e abre as cortinas, Jeremias. Ai Jeremias, Jeremias.
Hazel
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Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição 1677
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