Tento esconder o ramo que se assoma de dentro da manga do casaco, empurrando-o de forma desajeitada antes que alguém veja. Espero que ninguém tenha reparado.
Um restolhar igual ao que se escuta quando caminhamos pelos bosques no Outono persegue-me enquanto fujo do café, trapalhona e à pressa, deixando um rasto denunciador de folhas secas caídas pelo chão.
Não contem a ninguém, por tudo o que há de mais sagrado, mas o que se passa é que me nasceu uma árvore. Não num vaso, nem numa floreira — , mas em mim.
Começou por um raminho tímido e tenro que me brotou mesmo no centro do coração, espreitando à volta como quem não entende que estranhas voltas deram os ventos para levarem a semente que lhe deu origem a tão profundo solo.
Os meus olhos escancararam-se de espanto. E agora, que fazer?
Abri a gaveta da cozinha e peguei numa tesoura decidida a cortá-lo e guardar só para mim este segredo absurdo até ao último dos meus dias.
Quando a lâmina encostou no ramo, perdi a coragem. Um ramo tão pequenino, quase sem raiz, que mal poderia trazer ao mundo. Que culpa teve por nascer logo no meu coração. Acarinhei a pequenina árvore como um bebé. Tomei-a como minha.
A sede tornou-se mais intensa no correr dos dias. Uma sede específica que não poderia ser saciada com água-da-torneira. Tinha que vir das nascentes. Ou da chuva. Água viva, fresca, que se move continuamente nos influxos da Natureza.
As raízes começaram a mergulhar-me pernas abaixo até aos pés. A árvore foi crescendo, com os ramos a serpentearem-me em torno das costas, a espreitar atrevidos de dentro do decote e a revelarem-se de baixo das saias como uma embaraçosa cauda com folhas.
Tenho pássaros e ninhos nos ramos que me enchem os cabelos. Dois frutos suspendem-se em brincos nas orelhas. Pelos meus olhos espreita a alma da árvore. Viro-me para o Sol, danço ao vento e no silêncio da meia-noite consigo ouvir a seiva correr-me nas veias como um rio, e pulsar como o bater do coração.
Esta árvore que um dia quis cortar por não saber o que fazer com ela, tornou-se maior que eu. São muitos os dias que passo abrigada sob os seus ramos a escutar as lições que me vai ensinando na mansidão do seu silêncio verde.
Com ela aprendi o Exercício da Indiferença:
Nada externo pode perturbar uma árvore. Não existe sequer a diferença entre o bom e o mau, pois ambos são indiferentes, logo, iguais.
Quando vieram as tempestades, levaram-me as folhas, mas sobraram os ramos.
Quando quebraram os ramos, restou o tronco.
Quando o tronco ardeu, ficaram as raízes.
Quando as raízes secaram por falta de água, permaneceram as sementes dos frutos — e delas nasceu novamente a árvore, que anda comigo escondida por baixo da roupa, sob a pele, para todo o lado onde vou.
Quando quebraram os ramos, restou o tronco.
Quando o tronco ardeu, ficaram as raízes.
Quando as raízes secaram por falta de água, permaneceram as sementes dos frutos — e delas nasceu novamente a árvore, que anda comigo escondida por baixo da roupa, sob a pele, para todo o lado onde vou.
Uma árvore é-o de dentro para fora. Logo, através da ligação com o interior, o cerne, o exterior é todo ele um reflexo de paz.
Note-se que Indiferença não é ausência de compaixão. Pelo contrário. Significa que, haja o que houver, continua a existir sombra fresca, oxigénio, pássaros e ninhos, folhas, flores e frutos, e as sementes que caem no solo e permitem o constante ciclo morte - renascimento - vida - dádiva - morte - renascimento.
A Indiferença é a janela da Paz que permite que a dádiva da vida seja contínua. É o equilíbrio entre o movimento e as forças, uma dimensão sem começo nem fim, que transcende as leis do espaço-tempo. O caminho para alcançá-la é a renúncia ao atrito, e a percepção da unidade com a realidade interna.
Plácido como a árvore, o arcano A Temperança leva-nos à arte da auto-observação amadurecida no silêncio e à compreensão dos mistérios interiores para sublimar intempéries passadas, com a limpeza de uma boa chuvada: sem dor nem trauma.
Sob os ramos,
Hazel
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Foto: Fernando Gonçalves / Modelo: Hazel Evangelista
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