QUANDO NASCI, tive a sorte de receber de presente, tal como nos contos-de-fadas, uma tia e madrinha que tinha dezassete anos e nunca parava de sorrir. Não é a única tia que tenho. Mas é a única que sempre tratei por tu, a mais próxima e a mais especial.
A tia Antónia foi, na minha infância, uma fada-madrinha da Disney que se transformava em criança, fazia coisas impossíveis acontecerem e reunia paciência para mim quando mais ninguém tinha.
Nos Carnavais, era ela que desencantava vestidos para me mascarar de diferentes personagens. Mas foi esta a foto que escolhi, também tirada nessa época, onde me vestiram um fato-de-treino vermelho — eram os anos oitenta! —, com o braço da minha tia pousado no meu ombro e a sua mão a segurar a minha, memória que fez desse dia um dos mais importantes da minha meninice.
Com uma personalidade intensa e única, é uma influência marcante nas vidas de todos os que a conhecem.
Esta tia mágica, com um eterno sorriso de criança travessa que rouba um doce às descaradas e nos olha em ar de satisfação e de atrevimento, foi a minha heroína de infância, de adolescência e da idade adulta.
SEMPRE TEVE AS PORTAS DE CASA ABERTAS, como uma extensão do seu coração, a mesa cheia de amigos e espaço para quem mais viesse. Fala muito e nunca pensa antes de falar, porque tem o coração na cabeça, e o cérebro no peito.
Faz-nos rir e faz-nos chorar. Emociona-nos e arrelia-nos. Desconcerta-nos e ampara-nos. Diz o que sente sem filtros, sem medo, sem pudor, sem cerimónias.
E nós aprendemos a amá-la assim, a respeitá-la com esta simplicidade e frontalidade que só as crianças têm, de dizerem o que sentem sem pensar. Tantas vezes gostaríamos de ter sido como ela, e não conseguimos por falta de coragem.
Sempre que a minha tia chega, começa uma festa. O tédio, a acomodação e a monotonia não têm lugar ao pé dela, que transborda vida, que ama a vida mais do qualquer pessoa que eu tenha alguma vez conhecido.
A tia Antónia sempre me fez rir. Levava-me muitas vezes com ela para a ajudar no Colégio quando eu era adolescente. Conduzia depressa e eu ria-me quando a ouvia dizer “anda lá, cona mole” a quem lhe atrapalhava o caminho quando ia atrasada, depois de deixar os primos gémeos e um stock de cassettes VHS com desenhos-animados na minha mãe.
TEVE UMA COBRA DE ESTIMAÇÃO à entrada de casa para assustar as visitas. Quando era criança, escondia-se tardes inteiras dentro do guarda-vestidos a rir baixinho enquanto todos andavam à sua procura. Ainda tem voz de menina.
Gosta de se vestir de freira e de pregar partidas. Nos anos oitenta punha cerveja no cabelo para ficar mais bonito. Anda sempre com um saco de agulhas e linhas e em todos os lugares onde vai faz tricot numa velocidade inacreditável e sem precisar de olhar.
Diz piadas escabrosas relacionadas com sexo nos momentos mais impróprios e embaraçosos. Gosta de dormir. Tem pavor de gafanhotos. Adora o marido.
Conhece toda a gente. É sempre o centro das atenções, a alma da festa.
Prefere a passagem de ano ao Natal. Tem uma cana de pesca, e pesca dentro de água só com a cabeça de fora. Dançou a vida inteira no rancho folclórico.
SE AMO RIR e divertir-me, e aprendi a renascer de cada golpe que a vida me traz, muito devo a esta mulher com alma de criança rebelde, que agarrou a vida, e nunca teve vergonha de chorar porque jamais desistiu de nada; que subiu montanhas, desceu e tornou a subir — e conseguiu a proeza de fazer de toda essa caminhada uma celebração.
Se hoje escrevo para jornais e revistas, muito devo a esta tia, que um dia levou para casa dos meus pais a sua máquina de escrever e a deixou por lá ficar durante anos para que eu a usasse.
NASCEU DE BEM COM A VIDA e ensinou-me o que é a alegria, de tal forma que no meu dicionário 'Antónia' é sinónimo de 'Alegria'. E é isto que ela deixa por onde passa. Por isso, reparo que todas as pessoas, quando se referem a ela, sorriem.
Eu não teria sido a mesma pessoa se não te tivesse tido na minha vida.
Obrigada, tia Alegria. Feliz aniversário!
Hazel
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