Procura-se aranha viajante


CENTRO DE EMPREGO DAS ARANHAS
Anúncio afixado na Delegação da Sala - Canto da Parede Junto à Janela

Procuro:
Aranha aventureira e leal, com total disponibilidade para viajar curtas distâncias.

Ofereço:
Estadia no espelho lateral esquerdo do meu carro, música de boa qualidade (tenho sempre um duplo álbum dos The Doors no porta-luvas e, ocasionalmente, também lá canta o Bryan Ferry) e alimentação diversificada consoante o tipo de fauna que esvoaça nas localidades onde nos iremos deslocar.

Funções:
Deverá conhecer todos os meus caminhos, desvios e atalhos; saber guiar-me nas encruzilhadas e antever engarrafamentos. São valorizadas capacidades de orientação a estacionar em lugares apertados. Terá de suportar com heróica bravura ouvir-me cantar quando viajarmos sozinhas (os ouvidos humanos não possuem, lamentavelmente, imunidade para a minha voz).

Desafios da profissão:
Não poderá enjoar nas viagens de automóvel, nem ter propensão a ficar com a garganta inflamada devido às correntes de ar (é permitido usar cachecol, mas não muito comprido - vd. o caso da bailarina irlandesa Isadora Duncan).

Terá de ser resistente e musculada, com uma capacidade de sobrevivência superior à da sua antecessora, a minha saudosa companheira que era um autêntico sidecar aracnídeo, mas, infelizmente, não sobreviveu na última ida à lavagem automática (o risco é moderado, pois apenas lavo o carro uma, ou, no máximo, duas vezes por ano - e este ano já foi lavado).

Lidará diplomaticamente com comentários desmotivadores ocasionais, de pessoas que não compreendem os perigos, a emoção e o valor da profissão de aranha-viajante, que poderão por vezes viajar comigo e exclamar algo como: "Que nojo, já viste a teia-de-aranha que tens aí no espelho? Tens de limpar isso, dá mau aspecto."

Compreenderá sem ressentimentos que seremos amigas íntimas, porém, sem qualquer contacto físico. Viveremos uma relação platónica, embora de grande fidelidade.

Regalias:
Comprometo-me a não danificar as instalações aracnídeas, vulgo, teia-de-aranha.

É permitido constituir família, desde que as crias se mantenham na teia e não andem a fazer sapateado no interior do carro.

Será autorizada a dizer adeus às outras aranhas que viajam nos espelhos dos outros carros, conversar com elas quando pararmos na fila de trânsito e ter uma vida social preenchedora.

O meu carro é um carro onde se canta. Assim, a aranha que me acompanhar terá permissão para cantar os clássicos das viagens de autocarro, como "Aguarrás, aguarrás..." e outros êxitos semelhantes.

O vernáculo é permitido, aliás, dentro do meu veículo é considerado 'terminologia técnica' à qual se recorre, seja para fazer referência à condução alheia, seja para fins terapêuticos de alívio da tensão emocional.

Perfil:
A aranha que viajar comigo será mais que um mero co-piloto. Será uma companheira de aventuras, uma amiga, uma conselheira, um oráculo animal, e terá da minha parte toda a consideração e reverência dignos do mais nobre e fino corcel.

Poderão enviar por email os vossos curricula com nome, cartas de referência provenientes de outras aranhas mais experientes e indicação dos três últimos espelhos de carro onde viajaram.

Expectante das vossas respostas,
Uma viajante solitária,

Hazel
Foto: licença CC0

Tudo sob perfeito (des)controlo


Somos inocente e deliciosamente chatos e previsíveis. Faz-se planos para o futuro. Decide-se o que vai ser o jantar de logo à noite, que se põe dentro de uma travessa no lava-loiças para ir descongelando à temperatura ambiente. Planeia-se e reserva-se as férias do Verão com uma antecedência quase deprimente, porque ficam francamente mais baratas.

Escolhe-se a roupa para vestir na manhã seguinte com uma capacidade infalível de previsão meteorológica, digna do Anthímio de Azevedo. Sonha-se com o dia em que finalmente se consegue demonstrar aos sacanas que nos deitaram abaixo quando mais precisámos deles que, afinal, até conseguimos fazer alguma coisa de jeito da vida. Planeiam-se até os dias sem planos. Temos tudo controlado até ao momento em que percebemos que tudo isto está sustentado por fita-cola, cuspo e um clip.

O tapete é-nos puxado debaixo dos pés quando menos esperamos. Mas qual jantar, quais férias, qual dia seguinte, quais sacanas. Que cegueira é esta em que nos encontramos, sempre a planear o futuro, sempre a viver mais à frente, sempre a querer estar um passo adiante do espaço que ocupamos, desfazados do tempo, de nós mesmos e dos outros. Para quê a pressa, se, no fim, façamos o que fizermos, acabamos por ir todos parar ao mesmo lugar - e, no entanto, ninguém para lá quer ir.

Assassinámos a espontaneidade a sangue-frio, e tenho cá para mim que os contratempos inesperados, que nos surgem quando menos jeito dão, são o fantasma da dita que nos puxa o pé no momento em que vamos subir para a cama, para ajustar contas connosco.

Esta semana, a carta Cavaleiro de Espadas surge-nos repentinamente como um vendaval gelado num dia que se vislumbrava cálido e estival. Ninguém estava preparado para ele, todos são apanhados de surpresa, e é bem feita para aprenderem a viver o presente e para perceberem de uma vez por todas que ninguém controla nada. Há quem lhe chame lei de Murphy. Poderíamos também chamar-lhe “abre-olhos”, por nos enraizar e devolver a humildade que havíamos perdido nos atropelos do ego.

É um tormento a incerteza de não saber o dia de amanhã. Por outro lado, sabê-lo amolece-nos a capacidade de estar alerta, de debater-nos pelos nossos ideais.

Se a ignorância nos incita a estender as asas e a aguçar os sentidos para encontrar alimento para o corpo e para a alma, o conhecimento antecipado oferece-nos o conforto flácido - e frígido - de um sofá que se afunda quando nos sentamos, como se nos engolisse. Quanto mais nos enterramos nele, mais camaleonicamente iguais a ele nos tornamos -  até sermos salvos pelo fantasma da espontaneidade, mascarado com a capa dos imprevistos que nos trocam as voltas, que nos toca à campainha de casa para despertar-nos deste sonho em que nos imaginamos seguros e arrumados - como um par de sapatos velhos.

Hazel
Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição 1601
Foto: Sandro Giordano

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Amar o Amor


Calem-se os violinos sensíveis e agudos acariciados por longos dedos magros, hábeis e draculinos que tangem sonhadores os deslumbres do romantismo. Poupe-se a beleza perfumada das rosas vermelhas ao sacrifício acutilante do amor que, de tesoura em riste, se sobrepõe egoisticamente aos desígnios da Natureza.

Repouse placidamente a caneta de aparo do poeta sôfrego sobre as folhas de papel branco, virgens de tinta, imaculadas de palavras vãs. Arrumem-se os sapatos de dança de camurça azul, roçados uns nos outros em promessas, insinuações, avanços e recuos de arrojo libertino.

Creio que o amor está gasto. Tudo o que houvesse a ser escrito sobre o amor, já foi amplamente redigido em prosa, poesia, hieróglifos, sinais de fumo, emojis e corações entalhados a navalha nos troncos das árvores.

Esgotaram-se as demonstrações insensatas, insanas e até mesmo ilegais de tão grande sentimento que nem já o mundo tem espaço que chegue para albergá-lo; estendendo-se para além da estratosfera, inundando miríades de estrelas salpicadas no céu – as mesmas para onde lançamos desejos secretos nas noites quentes de Verão. 

Já se explorou todas as definições do amor para explicá-lo àqueles cuja euforia apaixonada deseja elucidar, entretecendo palavras, ideias, fantasias e desvarios. Nada mais há a dizer, a demonstrar, a provar, a classificar. O amor está dito. E feito. Catalogado, esquadrinhado, analisado micro e macroscopicamente. Tudo o mais é-nos redundante e indutor de náusea por excesso de sacarose.

Das brumas misteriosas do acaso, surge o arcano Ás de Copas, trazendo a ambiciosa missão de inspirar-nos a encontrar novas formas de amar e de viver o amor. Pelos mamilos de Afrodite!, exclamei, justificadamente, ao vê-la.

Perguntei ao Amor que poderia eu, comum mortal que não descende de Fernando Pessoa, nem tão-pouco de poeta algum, escrever que pudesse inspirar os bons olhos que lêem estas palavras a amar mais e melhor. Estupefacta pela assertividade da resposta, ei-la: o Amor manda dizer que está cansado de andar nas bocas do mundo — e longe dos corações.

Que se ame e mais nada. Sem um poema polvilhado de açúcar-pilé, sem uma flor arrancada e embrulhada em papel celofane cor-de-rosa com um laçarote, sem uma melodia gulosa e sedutora a acompanhar, ou a lascívia de um passo de dança a insinuar volúpias por desvelar. Simplesmente, ame-se. Pois o amor é estrada que se percorre e não veículo que se conduz.

Hazel
Consultas em Cascais, Oeiras e online
Tarot | Reiki | Regressão | Reprogramação Emocional | Terapia Multidimensional

Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição 1600

A-Das-Três-Mamas


Os meus olhos curiosos esgueiravam-se sorrateiramente como um gato vadio pelo muro caiado do seu quintal. Às vezes, via-a de relance. Bruta, carrancuda, zangada com o mundo e todos os seus habitantes — em particular, os que moravam perto de si. A língua da vizinhança era viperina. Cochichavam as alcoviteiras à boca pequena que a antipática mulher tinha três mamas.

Ninguém gostava dela. No percurso desde a escola até casa, era-me inevitável desviar o olhar, ainda não domado pela hipocrisia dissimulada das conveniências sociais. A volumosa e rotunda senhora de buço escuro e sobrolho carregado ignorava-me sempre. O nome da rua onde morava fora esquecido por todos, ainda que permanecesse legível na placa de mármore encardida pela passagem do tempo. Para aquela gente, era “a rua da-das-três-mamas”.

Estariam em fila? Será que colocava a terceira arrumada junto com a da direita no soutien, ou com a da esquerda? Ou iria alternando? Seriam todas do mesmo tamanho? A minha curiosidade era desprovida de leviandade, mas crua e sincera.

A boa mulher criava galinhas e vendia ovos, mas as vizinhas deixaram de lhos comprar, porque, enfim, ela tinha três mamas e ninguém gostava disso. Talvez tivessem medo que a mama extra fosse contagiosa e se pudesse pegar através dos ovos. Nesse ano, falecia o António Variações de uma doença então desconhecida, e as pessoas andavam acometidas por medos medievais.

Ainda gaiata demais para ter tido tempo de aprender a palavra preconceito, mas já uma observadora silenciosa, interiormente sentia que era errado o azedume das pessoas. Creio que gostava da intrigante senhora porque era solitária e forte, uma espécie de heroína em terra de vilões que, em vez de capa e espada, tinha uma mama extra.

Compreendia, ainda que de forma inconsciente, a sua atitude defensiva, e não tive dificuldade em discernir que o mundo pode ser um lugar cruel sem razão plausível — alguma vez a haverá? — e que as pessoas se podem tornar velhacas umas para as outras, não porque as outras o mereçam, mas porque precisam de alguém vulnerável em quem aliviar os seus amargores.

Recordo-a por oposição às mulheres actuais que vêem o mundo sob um longo e insinuante toldo de extensão de pestanas, agarram a vida com unhas de gel e sentem o vento através do cabelo alisado a ferro quente sem que este se despenteie, permanecendo impecavelmente alinhado. Espartilhadas dentro de cintas adelgaçantes como bonecas saídas de uma linha de montagem concebida para lhes remover a identidade. Perfeitas, idênticas, sem poesia.

O arcano Cinco de Paus leva-nos a observar a celeridade com que nos revoltamos com os outros quando são desagradáveis connosco, sem fazer um esforço para perceber os seus motivos. É certo que ninguém tem o direito de maltratar outros porque a vida lhe foi ingrata, contudo, se devolvemos bílis a quem no-la oferece, acabamos por tornar-nos iguais ou mesmo piores que o alvo da nossa censura, alimentando um ciclo destrutivo que nunca mais termina.

Recordo a-das-três-mamas com respeito e nostalgia. Sinto-me humilde perante uma mulher que aguentou com dignidade a crueza de uma vida inteira de marginalização. A fealdade não existe quando é amada. Torna-se um poema triste, doce e belo. Ainda que escrito em prosa.

Hazel
Consultas em Cascais, Oeiras e online
Tarot | Reiki | Regressão | Reprogramação Emocional | Terapia Multidimensional

Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição 1599
Foto: Miguel Pires da Rosa, licença CC2.0