Móveis com pó. E uma Vida a ser Vivida.


A poeira que repousa silenciosamente sobre os livros nas estantes e ao longo da superfície dos móveis não é um sinal de desmazelo. Não, não. Pelo contrário.

Ela mostra-nos que há algum tempo nada precisa de ser mudado, porque tudo está bem como está.

Mas, acima de tudo, está lá também para testemunhar a mais nobre forma de passagem do tempo: Vivendo a Vida. Sem desperdiçar tempo - a limpar o pó. Que sempre volta. E a vida não.

No meio dos livros empoeirados,

Uma crónica de merda


HÁ DOIS TIPOS DE PESSOAS no mundo. Os madrugadores, bem-dispostinhos, arrumadinhos e cheios de genica, que acordam ao raiar do dia, metem um café negro no bucho e estão prontos para tudo. O mundo é a sua ostra. Como os invejo.

E depois há os "classe B", onde eu me encaixo: 

Quando sabem que têm de se levantar muito cedo no dia seguinte, deitam-se sob pressão, ordenando ao corpo que adormeça depressa. E ele não adormece. Ficam a ver as horas passar como contas num colar, enquanto andam às voltas na cama.

Adormecem depois das três, o diabo do despertador toca às seis. E eles, colados à cama, que os agarra num abraço lânguido e poderosamente narcótico. Mais cinco minutos. Mais cinco minutos. Mais cinco minutos. Porra! Estou atrasada!

A pessoa levanta-se desnorteada, bêbeda de sono. Tem uma viagem de longo curso pela frente. Enfia um chinelo no pé e desiste de procurar o outro que se escondeu — toda a gente sabe que os desgraçados dos chinelos se escondem. Vai com um pé calçado e outro descalço, olhos remelosos, ligar o esquentador para tomar duche.

Só há tempo para duche, vestir, pegar nas malas e sair [corre, corre, corre, pá!].
Dois sacos ficam esquecidos. Já não há tempo para comer. 

"Estação de Oeiras"

Compra os bilhetes para o comboio e verifica que afinal ainda sobrou tempo. Dirige-se ao Café da estação e — pensando que pode fazer como os outros —, pede também um café.

Mal o café escorrega esófago abaixo, passa pelo estômago e vai directamente para os intestinos, isto tudo em linha recta, garanto-vos —, é nesse momento que a pessoa percebe que fez merda. Como fez. Ah, café dos infernos. Os intestinos contraem-se e dilatam-se com espasmos, como se tivesse despertado um monstro terrível, o Adamastor das Tripas.

"Vai passar. Só preciso de me sentar." O comboio chega, a pessoa senta-se e o monstro continua irrequieto. "Quero sair!", berra ele em fúria.

"Estação de Belém"

O monstro finalmente acalmou. A pessoa respira de alívio.

"Cais do Sodré"

Estação terminal. A pessoa levanta-se, e o monstro redesperta, mais feroz do que nunca. O meu reino por uma sanita. Ai Senhores, agora é que é.

Descobre amargamente que não existe casa-de-banho no metro do Cais do Sodré. Tem de se apanhar o elevador para a superfície e depois a tão desejada casa-de-banho, qual El Dorado, fica por trás do Pingo Doce. A distância é directamente proporcional ao desespero. Paga-se cinquenta cêntimos para entrar e ai se uma pessoa não tem os cinquenta cêntimos certos no porta-moedas. Nem quero imaginar.

O mundo é um lugar hostil para aqueles que procuram loucamente por uma casa-de-banho com a mesma angústia com que tentariam salvar a própria vida.

A casa-de-banho estava limpa. Havia papel higiénico e até piaçaba. Misericórdia.
Não há heróis nestes momentos. A pessoa teve até vontade de chorar.

De intestino limpo e ânimo renovado, há ainda o metro para apanhar e depois o comboio intercidades. Mais duas horas de viagem pela frente. 

O MALDITO CAFÉ-assassino que a pessoa julgava ter expelido até à última gota pelo orifício mais longe da boca manifesta-se agora no estômago. Oh Deuses. Ninguém merece. É como se o monstro tivesse deixado um filho que apanhou o elevador pelo esófago acima. Foram duas horas em que o delicado e feminino chapéu-de-palha que repousava no colo (da pessoa) esteve prestes a servir de saco de vómito.

"Estação Coimbra B"

"Senhoras e Senhores, estamos a chegar à Estação Coimbra B." 
Esteve quase para beijar o chão, a pessoa. Terra firme. 

O cérebro flutua no crânio, coloca os óculos escuros e o chapéu-de-palha que escapou por um milímetro, e promete solenemente nunca mais beber café em jejum às sete da manhã. Isso é para os outros. Arrumadinhos. Bem-dispostinhos.

A beber chá de lúcia-lima,

Hazel

A Lua chama pelas Bruxas

Segunda-feira é o dia da semana regido pela Lua e estamos sob uma Lua Cheia que está no seu expoente máximo (ainda que em Vazio de Curso até às 19:06).

Tudo é sentido com grande intensidade.
A Magia espalha-se silenciosamente pela Terra, como um manto.

Uns, não se apercebem de nada, embrenhados que estão no mundo da matéria.

Outros, escutam o chamado e páram as suas actividades mundanas para contemplar e saciar a avidez de Luz Branca.

Escrevi este pequeno texto esta semana, sob os raios dos últimos dias de Lua Crescente, e partilho-o para aqueles que quiserem falar com a Senhora da Magia, fazer pedidos, ou uma simples oferenda de incenso:

Senhora das vestes de madrepérola
Que reinas silenciosamente nos Céus
Envolve-me na tua Luz.

Preenche-me com a tua brancura
Concede-me a tua paz, a tua serenidade.

Dá-me a sabedoria do silêncio que atravessa todas as fases, 
Mesmo as de incerteza.

Abençoa-me com a clarividência que ofereces às escolhidas.
Para que eu saiba sempre. 
E mesmo quando não souber, 
Que o sinta no meu coração.

A 1ª hora nocturna regida pela Lua começa hoje às 22:22 e termina às 23:03 (hora de Lisboa).
Fica a proposta para este começo de semana.

No mundo da Lua,

Hazel

O lago do esquecimento


Debruçada sobre o lago do esquecimento, vejo tudo o que aconteceu e que irá acontecer, sem distinguir presente, passado ou futuro.

Correndo o risco de ficar presa neste transe hipnótico, preciso de perscrutar a negrura das águas e escutar o sussurro das vozes do tempo. Tudo o resto tem de esperar. Não sei quanto tempo; neste tempo fora do tempo, não há pressas, porque não se vai a lado algum.

Apenas se observa e se escuta. Parada, cristalizada, suspensa. O tempo que for necessário.

Nas margens do lago,



Prece antes de dormir


"Ó Graciosa Deusa
Ó Gracioso Deus

Agora entro no reino dos sonhos
Tecei uma teia protectora de Luz à minha volta

Protegei igualmente
o meu corpo adormecido e o meu espírito

Olhai por mim
até o Sol novamente governar a Terra

Ó Graciosa Deusa
Ó Gracioso Deus
Acompanhai-me durante a noite."


Scott Cunningham (adaptação)
Na teia de luz,

Hazel