Hoje é o teu dia, filho

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Há 11 anos atrás, nasci mãe, pela vinda do meu filho.

Querido L., meu bebé que cheirava a flores e a caramelo, abençoado pelas Fadas que abriram o nevoeiro espesso como algodão-doce na A5 para deixar passar o mesmo carro que ainda temos hoje, de quatro-piscas ligados e águas que vertiam como um tapete de cristal que se estendia para a tua chegada.

Hoje, usas o perfume do Batman e gostas de cozinhar. O teu professor disse-me que andaste a atirar aviõezinhos de papel na aula. Apetece-me ralhar por isso, mas adoro-te e também te quero abraçar. E é nesta fronteira fina como um fio de cabelo de anjo que vive o infinito universo do amor incondicional para onde me levaste há 11 anos atrás, e de onde nunca mais saí...

Obrigada, filho.
Hazel

Carta ao Sindicato dos Suportes de Rolo de Papel Higiénico


Protesto! Sou um suporte de rolos de papel higiénico e quero trabalhar!

Nesta casa onde vivo, ninguém me respeita nem considera. Sou o objecto mais desprezado de todos. Passo semanas na companhia do mesmo rolo de cartão com apenas uma (1!) única folha esfarrapada de papel higiénico colada, que alguém deixou ficar para não ter de colocar um rolo novo. E assim fico abandonado, neste local de maus odores e vista para as nádegas e pendurezas que por aqui passam.

Outro dia, a porta da casa-de-banho estava entreaberta e, daqui do meu cantinho, nos azulejos entre a sanita e o bidé, consegui espreitar pela porta também meio aberta da casa-de-banho do lado, onde morava outro suporte de rolos de papel higiénico igual a mim, que era muito meu amigo, e o único que compreendia e partilhava as mesmas queixas que eu.

Contudo, fiquei tristíssimo. Ele já não estava lá. Alguém o deitou fora e, no seu lugar, estava — imagine-se — uma cesta de palha. Que pouca-vergonha. A delambida da cesta de palha, cheia de atitudes de lambisgóia com auto-proclamada importância, tinha um rolo de papel higiénico inteirinho dentro. É justo?

Receio muito pelo meu futuro. Cada vez que um par de nádegas se senta perto de mim, fico a pensar se serão as últimas que verei. E se um dia também serei substituído como foi o meu colega da casa-de-banho do lado. Protesto, pois, então! Quero trabalhar!

Os rolos de papel higiénico rodam com tanta alegria quando a sua folha é puxada para limpar entrefolhos obscuros e narizes ranhosos. Foi para isso que nasci.
Por favor, deixem-me trabalhar! Assinado: O suporte de rolos de papel higiénico.

Hazel

O Silêncio do Inverno


Hoje o tempo encontra-se tão musgoso quanto os muros centenários de Sintra.
A chuva cai sem pressa, teimosa e lânguida, enquanto a humidade se alastra pelas paredes e tectos transbordantes de água e sedentos de Sol. Deixou de se ouvir o canto dos pássaros, agora recolhidos sabe-se-lá-onde. Parece que vai chover para sempre.

A chuva ensina-nos a ser pacientes. A saber esperar, mesmo sem saber o que esperamos. A ajustar-nos a algo que ainda desconhecemos. A nada ansiar. A ocupar exactamente o espaço que ocupamos no mundo, nem um milímetro para a frente, nem para trás. No centro de gravidade.

Estamos na estação do silêncio. Da quietude e do olhar no vazio, esse lugar onde repousamos a alma das inquietações que não têm razão de ser, como são todas as inquietações.

Oiço a voz do Inverno no vento que viaja como dragão uivante através dos ramos das árvores e nas gotas de água espertas e brincalhonas que batem contra os vidros das janelas. Escuto a sabedoria da velha mulher de cabelos de teia-de-aranha e mãos calejadas, com a paciência das sementes que aguardam no interior da terra.

Nunca pensei dizê-lo, mas encontro-me a gostar do Inverno. Talvez por ter deixado de tentar estender os últimos raios de Sol até não conseguir mais, numa luta onde os dias escuros sempre fazem cheque-mate.

Aprendi a amar o vazio, o silêncio, a espera e até mesmo o frio. E por amá-los, encontrei a plenitude no primeiro, a sabedoria no segundo, a serenidade no terceiro e a força no último.

De cabelos molhados pela chuva,

Hazel

Coisas fixes que já quase toda a gente fez, menos eu.


Eu nuncaaaaaa...

... fui às festas dos santos populares de Lisboa. Mas gostava. Sardinhas, vinho e bailarico incluídos!

... dancei à chuva. Acho que há previsões de precipitação para daqui a duas semanas.

... fui ao Porto. Já estive várias vezes para ir, mas houve sempre algum imprevisto. Será que o Porto não me quer? Riscado! Feito em 30 de Maio de 2016.

... ​comi percebes. Os "understands" são esquisitos e, aparentemente, difíceis de encontrar, mas deliciosos, segundo aqueles que já provaram. Parecem patinhas de monstros marinhos, que se chupam. iaics!, que macabro. Mas não se pode ficar na ignorância.  Riscado da lista! Feito em 5 de Maio de 2016.

... fingi ser uma turista e visitei Lisboa. No Verão, de chapéu de palha e máquina fotográfica pendurada ao pescoço, pelas colinas, elevador da Bica e com passeio de eléctrico.

... fui à Feira da Ladra. Logo eu, que gosto tanto de ver tralhas e velharias. Quero mesmo ir, antes de eu própria me tornar uma velharia.

... fiz uma aula de Ballet. Mas ainda é tempo de experimentar. Não sei é fazer um carrapito com o cabelo.

... fiz Yoga na praia ao nascer do dia. Nem Yoga, nem nada, agora que penso bem!

... lavei o cabelo num rio. Nesta, não devo ser a única a dizer nunca. Mas é algo romântico que sempre quis experimentar (até levo o shampoo e condicionador comigo! Ah!).

... fui a uma reunião da Tupperware. Vamos manter isto assim.

... fui a um cinema drive in. Isso faz-me sempre lembrar os filmes americanos, onde os jovens imberbes faziam marotices no banco de trás do carro enquanto "viam" o filme. E quem está aqui a julgá-los. Eu não.


Fazei também a vossa lista, senhoras e senhores. E sonhai sonhos pequeninos; pois é nos pequenos momentos que encontramos a felicidade.

Regressarei a este post para riscar os itens da lista que concretizar!

À espera da chuva (ou dos percebes - whatever comes first),
Hazel

Faróis de Nevoeiro : Atravessar a Metade Escura do Ano.


Nos tempos antigos, dividia-se o ano em duas metades: a metade clara e a metade escura. Duas partes opostas que os Deuses costuraram usando a linha do Equador.

Na metade clara do ano, tudo é luz, expressão e expansão. O horizonte sem fim, sob o vôo planado das aves migratórias que estendem as asas aquecidas pelo Sol, é tão nítido e límpido quanto a certeza no amanhã. Como é fácil sonhar e alimentar a esperança quando conseguimos ver o que está mais à frente.

As tardes caleidoscópicas do Verão seduzem-nos com a ilusão da eternidade, mas a espada de vento frio do cavaleiro-negro-Inverno acaba por roubar-nos o calor e a luz. Perde-se a clareza do horizonte oculto pela névoa, para que o procuremos — assim como tudo o resto — dentro de nós.

Quando não vemos o que está à frente, receamos. Duvidamos. E está bem assim.
É preciso recear e duvidar, para desafiar as certezas. E é preciso ter certezas para confrontá-las com a dúvida e o receio. Algures no meio da viagem, estará a linha do Equador, o meio do espelho.

Mergulhamos no lago sombrio da metade escura do ano, onde a luz fraqueja e as águas gelam. O silêncio das pedras, outrora aquecidas pelo Sol de Verão, dá lugar ao lamento do frio que se agasalha com um manto de musgo verde.

Não há como fugir à sombra para viver num eterno Verão. Se assim fosse, o ciclo de renovação da Natureza cessaria. Deixaria de existir a morte que antecede o renascimento. E morrer não é fácil. Dói muito.

Acabamos por sucumbir para tão logo renascer na divina fracção de segundo em que compreendemos que lágrimas são a chuva do Inverno da alma que vem para regar a terra, escorrendo através das folhas secas das certezas caídas, e alimentando as árvores que se elevam numa nudez tão crua e delicada como aquela em que nos encontramos perante o espelho de nós mesmos.

Retornaremos à luz após atravessarmos o vale das sombras. Os atalhos, horizontes e candeias perdem-se ao longe no nevoeiro como ecos difusos do pensamento. Nesta estação dada à introspecção, preservemos, assim como a semente que aguarda nas profundezas da terra, o silêncio e a paciência, e confiemos na alquimia que transforma o quase-nada a que nos rendemos na promessa do que está para vir com o regresso da metade clara do ano.

Na linha do Equador,

Hazel
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