Rituais para fazer em Samhain


A caixa de correio da Casa Claridade está a transbordar de mensagens a pedir sugestões de rituais simples para fazer durante a noite de 31 de Outubro. Ora, para quem deseja celebrar:

Queima de pedidos
Acendem-se duas velas, uma branca e uma preta, e coloca-se cada uma dentro de um caldeirão (ou noutro recipiente qualquer, caso não tenha caldeirões). Cada pessoa recebe dois papéis. Num, escreve o que deseja conquistar ao longo do próximo ciclo. No outro, escreve aquilo que deseja deixar para trás. Dobram-se e queima-se na vela branca o papel onde se escreveu o que se deseja conquistar, e na vela preta o que se deseja abandonar.

Honrar os ancestrais
Nesta época em que a ligação com os mundos subtis se encontra mais estreita, é da tradição colocar na mesa de jantar um lugar a mais e servir um prato para os ancestrais.

Acender velas à janela
Com o devido cuidado para não incendiar as cortinas, podem acender-se velas e colocar no parapeito da janela ou na varanda para iluminar o caminho das almas que partiram e para oferecer essa mesma luz aos nossos ancestrais que viajaram para o outro lado do véu.

Fazer uma trança da bruxa
A trança da bruxa faz-se com três cordas ou fitas nas cores que representem o desejo que se pretende formular. Enquanto se entrançam as fitas (ou cordas) podem entoar-se mantras, palavras de poder, verbalizar o desejo baixo, cantar, ou simplesmente guardar silêncio e concentração absoluta no pedido. A trança, uma vez finalizada, pode ser pendurada na cozinha ou noutro lugar mais reservado da casa.

Consultas de oráculos
Aproveitando a existência de uma comunicação mais clara com os planos subtis, que aguça as capacidades intuitivas e propicia as respostas vindas de muito longe, fazem-se consultas de oráculos onde se recebem orientações para o ciclo que se inicia. Quem quiser marcar uma consulta de Tarot comigo, poderá fazê-lo em Cascais, Oeiras ou online. Contacto por email: casa.claridade@gmail.com

Cozinhados mágicos
Cozinhar como um ritual mágico, dizendo baixinho encantamentos enquanto se mexem e adicionam os ingredientes. Nesta época, são da tradição o vinho quente com flores, frutas e especiarias, bolinhos e sopa de abóbora, cidra de maçã, hidromel, tarte de maçã, maçã assada.

A todos os que acompanham a Casa Claridade, os meus desejos de maravilhosas celebrações.

Hazel
foto: licença CC0

O raio que os parta


Os relâmpagos desenhavam-se com assombro por uma mão imponente, invisível e absoluta, como raízes de luz e patas de aranha que rasgavam o veludo negro do céu nocturno. Em frente à janela de vidros embaciados onde o seu dedo tinha estado a contornar bonecas em vestidos compridos, Isabel sustinha a respiração.

Antigamente, abria-se sempre uma janela quando trovejava, murmurava a avó com a gravidade de quem recorda a aparição de um fantasma cujo reflexo nunca desapareceu dos seus olhos, como se tudo ainda estivesse a acontecer naquele preciso momento, corroborado pelo uivo do vento frio que se esgueirava através das frinchas das janelas de caixilharia velha.

Dentro da sua cabeça, que produzia zumbidos nos ouvidos, catástrofes naturais, vozes conspiradoras e doenças que não existiam, o bom-senso não tinha permissão para entrar e traçar limites. Todo o cosmos morava nos seus pensamentos.

Quando as lendas são mais antigas que todas as pessoas no mundo, assumem proporções bíblicas. Acredita-se nelas quando se é criança, e perduram ao longo de toda a idade adulta, porque os que viveram antes de nós também acreditaram. Alguns poderiam mesmo jurar tê-las vivido, de tão entranhadas sob a epiderme da memória colectiva.

Isabel sentia alívio pela existência de um pára-raios na vizinhança que dispensava a necessidade de abrir uma janela por onde um hipotético relâmpago pudesse sair, sem, contudo, reparar que alguém que não confiava na tecnologia moderna tinha discretamente entreaberto a porta de alumínio nas traseiras da casa.

Contava a velha lenda que numa noite de trovoada um raio entrou pela chaminé de uma casa, foi percorrendo todas as divisões, fazendo ricochete nas paredes como um demónio à solta e, como não encontrou uma janela aberta por onde pudesse sair, acabou por destruir a casa e matar toda a família. Naquele tempo, as lendas, relatadas por vozes idosas e trémulas, tinham tanto de assustador quanto de fatalista.

Nem sempre as paredes das casas se conseguem manter unidas, quando não existem alicerces suficientemente sólidos para sustentá-las. Isabel levou uma vida inteira até perceber, quando os cabelos brancos lhe começaram a despontar como relâmpagos na sua cabeleira cor de azeviche, e chegou a sua vez de passar o legado de deslumbres e assombros aos que observavam as noites de trovoada de olhos arregalados, que a janela aberta para o raio poder sair era uma metáfora para a possibilidade que não devemos negar a nós mesmos de recomeçar sempre que as nossas crenças e objectivos caem por terra.

O arcano A Torre irrompe através do nevoeiro como um clarão inesperado que revela as fraquezas para que possamos enfrentá-las em vez de ignorá-las. As vicissitudes podem ser exactamente a oportunidade que precisávamos para abandonar conceitos ultrapassados e ter a possibilidade de evoluir para um novo paradigma. Basta que tenhamos a coragem de abrir uma janela no momento certo.

Hazel
Consultas em Oeiras e online

Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição 1604
Foto: Pat Brennan

As Palavras-Cruzadas Fazem-se até ao Fim


Junto ao lago, o dia amanhecia em tons de azul-aguarela pincelados aqui e ali a dourado pela copa das árvores que começavam a perder as folhas. O cheiro a café invadia a casa sem pedir licença e o rádio tocava baixinho para não se sobrepôr às boas-novas trazidas pelos pássaros.

Na mesa de madeira velha, o jornal ficava aberto na página das palavras-cruzadas, que eram preenchidas com silenciosa satisfação pela filha mais nova depois de todos terem lido os crimes, as falcatruas, o horóscopo e as últimas do desporto.

O aroma antiquado a after-shave lavanda impregnava subtilmente as páginas recém-folheadas pelo homem de olhos amendoados e tristes, camisa xadrez e um pedaço de papel higiénico colado no queixo para estancar o corte da barba feita à pressa.

Cada um cumpria a sua rotina sem reparar nela, perdido dentro de si e desligado dos outros. Abílio sonhava com um milagre, uma lotaria que lhe permitisse não ter mais de trabalhar, para a qual nunca comprava bilhete, por achar um desperdício de dinheiro. Anotava contas mirabolantes num caderno seboso, onde destinava a meia dúzia de pessoas de quem gostava uma parte da fortuna imaginária, e escondia-o com vergonha no fundo da gaveta das peúgas e camisolas interiores.

Um dia, Josefa, a mulher, à procura de meias gastas para passajar com um ovo de madeira e muita paciência, encontrou o caderno. Não percebendo os apontamentos codificados e receosa de admitir que os tinha lido às escondidas, atafulhou as meias na gaveta e disparou aflita para casa da irmã, pensando que o marido tinha contraído uma grande dívida e a andava a enganar.

A irmã, que sempre fora distante e ciumenta, comprazeu-se intimamente da sua dor e deixou-a sentada sozinha, lavada em lágrimas que jorravam em torrentes como se o próprio lago escoasse através dos seus olhos.

O lago espelhado acabou por desaparecer com a construção de uma auto-estrada que viria a ser o começo do fim. Abílio deixou de comprar o jornal. O mundo lá fora cessou de existir quando a reforma antecipada chegou como um presente envenenado enquanto cuidava de Josefa, que ficou doente e se preparava para a derradeira viagem.

A auto-estrada, criada para facilitar as deslocações, tornou-as demasiado rápidas para o bem de todos. Aos poucos, cada um foi embora para nunca mais voltar à casa do lago, que passou a ser uma casa vazia e assombrada. O jornal ficou para sempre aberto sobre a mesa do pequeno-almoço na página das palavras-cruzadas. Faltava apenas uma palavra para completar o quadro. Linha dez, horizontal. Quatro letras. Sinónimo de sentimento, começava por A, acabava em R. Nunca foi preenchido.

Tinham sido, sem saber, quase felizes, à sua maneira remendada e remediada. Incapazes de preencher o vazio que lhes atormentava silenciosamente a alma, viviam com meio coração apenas, e aquilo que deram uns aos outros foi a metade vazia, quando poderiam ter dado a metade boa.

O arcano Nove de Copas surge como um velho conselheiro que pergunta, em voz sábia e paciente, se alguma vez estaremos realmente satisfeitos. Não espera resposta. Vira as costas e caminha rumo ao pôr do Sol, deixando-nos entregues ao poço sem fundo de onde brotam os desejos que nos atropelam a saciedade. Queremos tanto ver o poço transbordar, que desvalorizamos os copos de água que nos trazem — porque achamos pouco. E a sede nunca passa.

Hazel
Consultas em Cascais, Oeiras e online
Tarot | Reiki | Regressão | Reprogramação Emocional | Terapia Multidimensional

Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição 1603
foto: Matti Decaux

Plano de fuga da loiça por lavar


Quando me distraio, perco-me dentro de mim. A última vez que tal aconteceu, foi enquanto lavava a loiça. Abençoada distracção, que me salvou dos restos de molho de tomate ressequido colado no fundo do tacho. Enquanto as minhas mãos, lá longe, esfregavam com o lado verde da esponja em movimentos circulares que corriam contra o sentido dos ponteiros do relógio, o resto de mim caminhava de pés nus por um longo corredor cheio de portas dos dois lados.

Todas entreabertas, à espera que eu escolhesse uma para entrar. Talvez noutra ocasião.
O corredor parecia estender-se infinitamente à minha frente. Uma passadeira de cor verde-seco crescia e serpenteava como uma língua de musgo fofo, abafando o som dos meus passos.

Subiam trepadeiras como braços que ondulavam e beijavam em silêncio as paredes antigas.
O ar quase se liquefazia, fresco, húmido e doce como a manhã a nascer junto de uma fonte de água corrente. Suspensos no tecto, os candelabros cintilavam como silfos luminosos.

Não queria que aquele corredor acabasse e, ao mesmo tempo, ansiava por descobrir que deslumbres encontraria no fim. Sobre a minha cabeça voavam passarinhos pequenos e coloridos, que me acompanhavam em bando e uma coruja branca, que pousou no meu ombro e falou:
- Então, não fechas a torneira?
- Então, não fechas a torneira?
- Então, não fechas a torneira?

Surpreendida com a inesperada pergunta, virei o rosto, e era o meu filho com o pano da loiça aos quadradinhos à espera que eu acabasse de passar o tacho por água.

Hazel
foto: Peter Oswald, licença CC0

Jardinar como um verdadeiro jardineiro


Observar um jardineiro a trabalhar é um verdadeiro tranquilizante natural, uma panaceia para os sobressaltos que nos chocalham a paz de espírito. Nos jardins municipais, eles são quase invisíveis, vestidos de farda verde como se fossem uma discreta e respeitosa extensão da natureza circundante - e são-no, deveras. 

Espelhada no seu rosto, a doce e serena ausência de quem viaja ao sabor do vento em pensamentos enquanto as mãos se fazem dotar de vida própria cortando folhas secas e atando os ramos verdes-claro, ainda tenros, às estacas que lhes guiam e orientam o crescimento - como um paciente mas firme professor que ensina o caminho ao aluno. 

É apaziguador contemplar a forma como os jardineiros aconchegam a terra húmida à volta das raízes da alfazema replantada no fim da Primavera, como quem prepara a cama de um bebé e lhe compõe os cobertores para que não apanhe frio nas costas. Raramente os vejo correr no cumprimento das suas funções. Um dente-de-leão não tem pressa de ser arrancado. Pode ser agora ou daqui a duas horas; não vai fazer diferença. E está certo assim. O imediato é inútil e irrelevante no crescimento de um jardim. Que o diga a hera, constante, lânguida e sinuosa.

Eles, os cuidadores do verde, sabem que tudo leva o seu tempo e, mesmo assim, esse tempo pode até nunca chegar. Afinal, uma planta pode acabar por nem medrar. De nada adianta tentar pressioná-la para que brote mais depressa e para que dê frutos. Semeia-se com a fé na mão esquerda e o desapego na direita. Sabe-se colocar a semente na profundidade certa e na exposição solar mais favorável. Rega-se, aduba-se, cuida-se. Faz-se o melhor que é possível fazer e depois o resto é com a Natureza. É ela, senhora soberana do compreensível e do inatingível, que dá o veredicto final.

Saber esperar é uma virtude rara e imensamente admirável que os jardineiros, possuidores de sabedoria forte e telúrica como raízes de cedro, dominam com mestria. Tudo se deve fazer no momento certo para ser feito. E depois espera-se enquanto se cuida, e cuida-se enquanto se espera, sem que se dê pela espera a decorrer.

Esta semana, a carta Valete de Ouros inspira-nos a colocar as mãos na terra e a sermos jardineiros da nossa própria vida. Sem ceder a pressões. Sem dar um passo maior do que a perna. Sem necessitar que alguém nos motive. Trabalhando em harmonia com o todo, para um propósito concreto, mesmo que não saibamos se esse objectivo alguma vez será atingido.

Como um jardineiro, temos de semear, cuidar, nutrir, aprender a arte da paciência, e esperar pelo melhor. Se tudo correr bem, colheremos os frutos um dia, quando o tempo certo chegar. Senão, livramo-nos dos ramos secos, e voltamos a plantar - quando regressar a Primavera.

Hazel
Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição 1602
foto: Foundry, licença CC0