“Do Tempo da Maria Cachucha"

Ora deixem-me cá sacudir o pó com o espanador e compor o naperon de renda sobre a televisão enquanto vos falo da origem desta expressão castiça e antiquada que só podia mesmo existir na língua portuguesa.

Quem foi a Maria Cachucha?

O NOME "CACHUCHA" TEM ORIGEM numa música e respectiva coreografia, proveniente da Andaluzia, Espanha. Era dançada a solo por uma mulher, acompanhada de castanholas, em compasso ternário.

A adaptação da Cachucha espanhola tornou-se popular em Portugal no séc. XIX, dando origem à expressão "do tempo da Maria Cachucha", usada com o significado de 'muito antigo'.

Mas afinal, quem foi a Maria Cachucha?

Assim como as linhas de um naperon antigo se entrelaçam, também a História se rendeia misteriosamente de palavras, factos e expressões. A Maria Cachucha é uma coincidência que resulta do enlace aleatório entre o nome desta dança espanhola e uma invulgar mulher portuguesa que nasceu no dealbar do século passado.

Maria Purificação da Silva (Maria Cachucha)

Maria Purificação da Silva (1900-1960) popularmente conhecida por Maria Cachucha, era bem conhecida na região de Torres Vedras. Todos sabiam onde morava. 

Tinha um aperto de mão vigoroso, voz máscula e maneiras de mancebo que contrastavam com o lenço na cabeça atado sob o queixo.

O bigode de homem crescia-lhe sobre o lábio superior numa dignidade auto concedida, assentando pacatamente sobre os cigarros que as suas mãos grossas enrolavam com habilidade, fumegantes, esquecidos no canto da boca.

Não gostava de tarefas tipicamente femininas. 

De constituição forte e robusta como um touro, era a única mulher portuguesa que trabalhava no Matadouro Municipal, matando bois com tal firmeza que espantava o mais incrédulo dos observadores.

Por vezes confundiam-na com um homem, e isso divertia-a muito, mas chegou a ter um marido, de quem enviuvou, e foi mãe de um rapaz.

Preferia conviver com os homens, com quem falava de igual para igual, numa linguagem de taberna, em voz de bagaço. Não se dava com a família, por não aceitarem o seu modo de vida. 

VIVEU LIVRE E FELIZ à sua maneira atrevida e desempoeirada, como se soubesse que quando morremos rapidamente somos esquecidos, e por isso não devemos deixar de fazer o que queremos por medo do que os outros possam pensar. 

Precisamente por isso, o nome pelo qual era conhecida ficou para sempre gravado na memória colectiva do nosso país. 

A Maria Cachucha vive eternamente através daquilo que faz um país ser um país: as suas histórias e a sua língua. 

Cada vez que alguém repete a expressão "isso é do tempo da Maria Cachucha", a Maria Cachucha revive sorridente no seu bigode travesso e cigarro fumegante.

A sacudir naperons,

Hazel
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Poema: Rumar O Amor

FOI LANÇADA A Antologia de Poesia Contemporânea "Entre o Sono e o Sonho" - Vol. XIII, da Editora Chiado Books, que inclui este poema da vossa escriba:


RUMAR O AMOR
 

Dormem as estrelas no alto
E despertam-me num salto
Em nocturno sobressalto

Um navio que deslumbra
trespassa paredes de penumbra
Traz odor a maresia
e a açafrão, uma especiaria

Dançam as velas coloridas
cheias de música, entontecidas
A melodia da guitarra e do sitar
tocam o Amor que se faz anunciar

Entram pássaros pela janela
Puxam-me do vestido uma parcela
Desnuda, o peito desabotoado
A meus pés o navio ancorado

Traz de longe uma arca de tesouro
sem gemas, prata ou ouro
Nela encontro o meu coração
diáfano e leve, que admiração

Havia viajado pelo mundo
Mergulhado em oceano profundo

Ao meu seio retornou
Em doce paz se aninhou
Qual passarinho chegado a casa
Guardado Amor por baixo da asa
Assim deito a cabeça no teu peito

todas as noites no nosso leito.


Hazel

Foto: Hazel, por Mário Pires

A Grande Poda de Domingo à Tarde

Uma breve e inocente crónica sobre os prazeres da jardinagem.




FUI VIRGEM DE PODA durante muitos anos —, até há bem pouco tempo. 

Fiquei de tal modo surpreendida quando descobri os deleites da poda que agora a poda não me sai da cabeça. Dedico-me à poda de duas semanas em duas semanas. Parece pouco, mas afianço-vos: quando limpo o suor da testa no fim da poda, nem quero pensar em poda tão cedo. 

Sempre achei que a poda seria algo que se fizesse devagarinho, com delicadeza, parando de vez em quando para mudar de posição, ora de pé, ora de joelhos, ora apoiado só nos dedinhos-dos-pés. 

Foi com esta ideia ingénua e romântica que me preparei para a minha primeira poda. Prendi o cabelo, respirei fundo e decidi começar de pé. Logo passaria para outras posições consoante fosse ficando cansada ou me achasse já satisfeita. 

Confiante, agarrei o instrumento com ambas as mãos  — porque era grande — e movi-o delicadamente. Mas nada aconteceu. 

Querem lá ver que o instrumento está estragado?, pensei. 

Afinal não estava. Eu é que tinha falta de jeito para a poda, pois nunca tinha experimentado. 

Segurei-o com mais força, percebendo com espanto que afinal a poda nada tem de idílico ou de relaxante. Vá-se lá saber, a poda é uma actividade bruta. Requer destreza, preceito, agressividade. Para uma poda bem feita é preciso fazer movimentos firmes e secos. Diria mais, violentos, como se estivéssemos com ganas de amputar um membro a alguém. 

Quando a poda acabou, fiquei cheia de marcas no corpo. Valha-me Deus. Que poda. Foi então que esta vossa escriba tomou conhecimento de quatro grandes verdades sobre a jardinagem:

Verdade número 1: As buganvílias têm picos;

Verdade número 2: As buganvílias crescem que se farta;

Verdade número 3: As buganvílias grandes têm que ser podadas de duas em duas semanas;

Verdade número 4: O fado das tesouras de poda é que não podem ser manuseadas com mãos de fada. As maganas só podam se forem abertas-e-fechadas violentamente, como se quiséssemos matar alguém.

Se o leitor sentir os ânimos frouxos, falta de entusiasmo pela vida, ou moleza generalizada, poderá colher grandes benefícios se se dedicar à poda. 

Quem de tudo isto achar uma alarvice, que faça também a fineza de dirigir-se à poda e por lá permanecer.

E o mui nobre e condescendente leitor que abana a cabeça em apoquentamento,"Hazel, que vem a ser isto? Não podes escrever sobre a poda!"? A poda é o alegre e viçoso destino para onde recomendo que se desloque sem mais delongas.

Aquele que se ocupa da poda manual, sem assistência de equipamentos eléctricos, certamente estará solidário comigo. E se não estiver, que se dedique mais à poda para saber aquilo que a poda é.

No fundo, vão todos à poda. E eu vou também. Mas agora só daqui a duas semanas.

No fim da poda,

Hazel
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Pureza e Sabão-Azul-e-Branco


É NECESSÁRIO PUREZA. Céu limpo e a certeza no amanhã azul e leve. Oxigénio. Ar puro. O canto das aves. O sorriso dos bebés. A inocência. A fé. O sagrado. A paz. Harmonia. O vento fresco e lúcido da manhã. Delicadeza. Calmaria. Serenidade.

O ritmo cadenciado das marés. O borbulhar da água salgada. O embalo dos braços da mãe. Silêncio. Luz. As estrelas, os sonhos e os desejos lançados num dente de leão. A pena que flutua no ar. Floresta virgem. Gotas de orvalho. A doçura das fadas. Pés descalços na terra aquecida pelo Sol. 

A simplicidade do copo de água que sacia a sede. Descansar. Regenerar. Equilíbrio nos pratos da balança. Espigas de trigo douradas nos campos. Um raio de Sol por entre as folhas. O nascer do dia. O regresso das andorinhas.

Levitar. Imaginar. Sorrir. Crescer. Viver. Chegar a casa. O sono solto. Roupa acabada de lavar. Todas as cores do céu. O reflexo do arco-íris numa poça de água. Chuva doce pela madrugada. Os cabelos livres. Coração limpo. Ramos de alecrim perfumado. A justa medida. O deslizar da caneta no papel. 

Saquinhos de alfazema nas gavetas. Paredes caiadas de branco. A sineta das bicicletas. Banquinhos de jardim. Crianças a caminho da escola. Avós que contam histórias. A eterna infância. Aprender. Perceber. Criar. Pomares repletos de maçãs. 

A linha do horizonte. Mapas de tesouro. Caminhar. Saber. Escrever poesia. Água da fonte. Conchas da praia. Sabonetes. Bondade. Floreiras penduradas nas varandas. Estender os braços. Mergulhar e voar. Ser. Existir. Inteiro. 

Tudo isto é extremamente necessário.

Hazel
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Procuram-se Rebeldes em 2021


APESAR DOS AUGÚRIOS dos profetas-do-fim-dos-tempos que nos despertam aquele irresistível medo fascinado (ou fascínio amedrontado) capaz de fazer eriçar os pelinhos nos braços e no pescoço, terei de vos desiludir: 

Ainda não será em 2021 o fim da Humanidade. 

Se falhasse esta previsão também não estaria cá para ouvir reclamações, podeis afirmar, e com razão. Mas a verdade é que ainda vamos ter que nos aturar uns aos outros por muito tempo. E que bom é. 

Quem está vivo, a lidar com os problemas que tem, e a antecipar os que não tem através da fina arte masoquista da preocupação, está cheio de sorte.

O virar de página nos nossos calendários trar-nos-á, contudo, um ano de contra-sensos:

Estaremos gratos por estar vivos, mas em vez de sentirmos alívio pela superação da pandemia e das crises pessoais e colectivas, estar vivo parece ser causa da fonte de preocupações que nos provoca medo de viver.

PREVALECERÁ O MEDO (do COVID e de outras variações que surgirão entretanto), o medo de tomar decisões, o medo de gastar dinheiro que poderá mais tarde fazer falta, o medo de viajar, o medo do desconhecido, o medo do medo. 

O estado de sobressalto que transportamos de 2020 programou-nos a estar à espera do pior. Como se, se o pior viesse, fosse até um alívio para todos. E nenhum de nós vislumbra que o pior que nos pode acontecer é passar pela vida e não viver.

Teremos várias dimensões de realidade a operar em simultâneo; uma, aquilo que julgamos ser a verdade, porém, é-nos “instalado” através dos meios de comunicação social. Outra, aquilo que será o impacto directo e indirecto da nossa forma condicionada de ver e de agir. Outra ainda, as várias dinâmicas que realmente estarão a ocorrer.

AFASTADOS UNS DOS OUTROS por um longo período de tempo, desconfiados até de um espirro inofensivo como no tempo da Peste, com o vazio trazido pela perda de identidade individual e colectiva devido ao rosto tapado e inexpressivo, estaremos perante uma fase de quebra generalizada na confiança em nós mesmos, na vida, no futuro.

Haverá, assim, um enfraquecimento no questionamento das informações que nos são transmitidas. Seja por excesso de repetição, por pressão social, devido ao isolamento que marcou 2020, ou pelo impacto na economia e consequente sentimento de vulnerabilidade. Os rebeldes estarão cada vez mais ordeiros, o que é uma perda irreparável para a Humanidade, que sempre avançou graças aos que não se conformaram.

Teremos todas as condições reunidas para a vida avançar, mas aperceber-nos-emos realmente disso? Nada nos faltará em 2021 a não ser a ousadia de agarrar a vida pelos colarinhos, de arriscar a pele.

Como se tivéssemos acabado de sair de uma guerra, iremos avaliar cada passo antes de avançar, sempre na zona de segurança porque-nunca-se-sabe. A Humanidade estará meio morta mesmo estando viva, com a Natureza a espreitar-nos à janela, e hesitante em tomar parte no milagre que está a acontecer.

Claro que todos corremos o risco de morrer de COVID. Ou de qualquer outra maleita, acidente, catástrofe natural, de velhice ou por causas misteriosas. O que deveria servir de incentivo para abraçar a magia que é estarmos vivos parece ser, na verdade, um impedimento à vida. 

E não viver por medo de morrer é uma negação da própria vida.

O MEDO, QUANDO DOMINA, recria a paralisia da morte. É um travão da vida — mas não do tempo. O tempo, esse vilão sem coração, não espera que ganhemos coragem ou que prestemos atenção à sua passagem. Nem o Sol, nem a Lua, a chuva, as estações do ano, as andorinhas que voltam na Primavera e que partem após o fim do Estio. Tudo está como deve estar, a decorrer normalmente, e assim continuará, quer tomemos ou não parte da vida e dos seus ciclos.

2021 será um ano maravilhoso, cheio de novas oportunidades. Felizes os que não tiverem perdido a ousadia de viver, os rebeldes, os que arriscarem novos caminhos. 

A normalidade nunca será reposta — e ainda bem. Pois estar dentro do que é “normal” é seguir uma norma que outros definiram, encaixando-nos, formatados, normalizados, resignados, numa forma que moldaram para nós. É não questionar, e abdicar do infinito mundo de possibilidades que se encontra disponível para além das fronteiras da ‘normalidade’.

O primeiro semestre será ainda um período de recuperação do trauma deixado pela mudança de paradigma no ano 2020. Vamos precisar de tempo para voltar a confiar na vida, em nós mesmos, uns nos outros, e no desconhecido que nos espera. Mas muitos vão conseguir.

O uso de máscara será gradualmente facultativo e as novas vacinas irão dar que falar. O regresso dos eventos com público, como concertos, espectáculos e outros similares, retornará aos poucos, mas com menor afluência de pessoas. O medo demorará a desaparecer totalmente, até porque já faz parte da Humanidade desde, pelo menos, o Paleolítico Inferior.

O segundo semestre será mais leve e, ainda que a medida de tempo seja igual, os seis meses que encerrarão 2021 fluirão com maior celeridade que os primeiros. Não porque os ponteiros dos relógios avancem mais depressa, mas porque estaremos finalmente a começar a confiar na vida. 

Quem viver, verá.

Hazel
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Foto por: José Cavaco