A mulher que guardou o Verão em frascos de vidro

terça-feira, novembro 25, 2014


Bastava que um delicado fio de Sol lhe incidisse nos olhos castanhos para revelar a chama alaranjada de ágata de fogo que se escondia no fundo da sua alma. Tinha as fogueiras, as danças e os ritos de Beltane dentro de si, sob a insuspeitada e enigmática serenidade do cisne branco que desliza sobre um espelho de água.

O sopro dos Invernos fazia esta luz tremeluzir como uma vela que ameaça extinguir-se, mergulhada na melancolia dos dias escuros. A chegada da nostalgia dos dias frios era como um casaco cinzento de malha fina e gasta, ensopado pela chuva, que se cola à alma e a gela.

Decidiu que a tristeza peganhenta e invernosa não iria mais agarrá-la. Essa velha traiçoeira de dedos longos e ossudos não voltaria a apanhá-la desprevenida. As ágatas de fogo iriam reluzir nos seus olhos ao longo de todo o Inverno. Podemos ser felizes para sempre, sim. Como nas histórias. É só querer. Querer muito, e nunca parar de querer, aconteça o que acontecer. E ela queria-o em cada célula do seu corpo.

Então, passou o Verão inteiro a armazenar partículas de ar quente e feliz dentro de frascos de vidro. Sempre que queria preservar um momento de alegria acabado de viver, abria um frasco, movimentava-o à sua frente traçando uma lemniscata, e fechava-o de imediato, aprisionando aquele ar doce e frutado. Às vezes, guardava gargalhadas que pareciam não ter fim dentro de frascos onde colava o rótulo "Euforia".

Acumulou vários frascos de vidro ao longo de um Verão pleno de dias felizes, que etiquetou cuidadosamente e armazenou num baú de madeira de cedro, para quando viesse o Inverno.

As pessoas viam os frascos vazios a entrarem naquele baú e comentavam entre si que era louca, por achar que podia guardar o Verão dentro deles. Excêntrico. Absurdo.

Os dias frios chegaram e, com eles, começou a sentir ao longe o passo arrastado da velha traiçoeira que ameaçava entrar sorrateiramente com o vento frio que uiva pelas frinchas das janelas. "Já estava à tua espera", disse ela.

A tampa do baú rangeu ao ser levantada pelas suas mãos sábias, que abriram os frascos todos, um por um. Gotas de transpiração escorreram-lhe na parte de trás do pescoço.

Torrentes de luz brotavam, queimando-lhe a pele. As labaredas das ágatas de fogo dançavam nos seus olhos. Ouviam-se gargalhadas, vozes alegres e desconcertantes, o bater das asas de pássaros, o som do mar, o sopro do vento que corre as searas...

Foi o Inverno mais quente de sempre. E o mais feliz.

A destapar frascos de vidro,

Hazel

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