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Monstros Debaixo da Cama


NÃO ACREDITO EM DEUS. Mas sei que Deus existe; disso não duvido, benza-me Deus. Existe para aqueles que acreditam n’Ele. Quem diz Deus, diz o Diabo.

A crença numa ideia torna-a real, verdadeira. Qualquer ideia. Os monstros debaixo da cama são palpáveis para os que neles creem, e vêm acompanhados daquela subtil corrente eléctrica que antecipa as mãos trémulas, gélidas e ossudas que deslizam lentamente no fundo da cama para agarrar os pés. Sim, eles existem. Mais ninguém os pode ver, mas para aquele que acredita neles, são bem visíveis.

O meu gaiato, quando era mais pequeno, garantia que todas as noites havia uma sombra que o espreitava pela porta do quarto e por vezes nem a luz de presença a dissuadia de aparecer. Eu dizia-lhe que não havia nada, mas ele continuava com medo.

Percebi então que era eu que estava errada. Claro que existia algo. Não para mim, mas para ele. Quando tomei consciência do erro, fui buscar dois panos da loiça à cozinha para apanhar o monstro. Caso não saibam, os monstros, sombras e outros assombros semelhantes apanham-se com panos da loiça.

Anda, vamos apanhá-lo. O relógio marcava dez para a meia-noite. Apaguei todas as luzes em casa. Eu levava uma espada de plástico, e o meu gaiato uma lanterna. Cada um tinha um pano da loiça preso na parte de trás da camisola com uma mola-da-roupa, como uma capa de super-herói.

«Quando o apanharmos, 
damos-lhe com a espada nos cornos.» 

Pronto, eu não disse cornos, embora a miudagem agora conheça palavras bem mais escabrosas. Acho que disse trombas. Ou fuças. Ou ventas.

Corremos a casa toda de-fio-a-pavio. Os monstros existem e precisam de ser caçados. O medo torna-os reais, poderosos. Mas a coragem de olhá-los de frente fá-los dissolverem-se, transformarem-se em nada. Matámos, assim, o monstro — quando matámos o medo. Nunca mais foi preciso ligar a luz de presença.

O arcano Oito de Paus inspira-nos a ver para além do visível, a acreditar em algo mais. Qualquer impossível pode tornar-se possível por acreditarmos nele. Monstros existem, monstros deixam de existir, num estalar de dedos.

Quando sentimos que estamos preparados para enfrentar o obstáculo, já o ultrapassámos e, se o ultrapassámos é porque, na verdade, ele nunca existiu. Foi apenas a nossa percepção que deu um salto em frente e que alterou a realidade. Simples de entender, ainda mais fácil de executar. Porque embora todos tenhamos algum tipo de monstro debaixo (ou dentro) da cama, e acreditemos nele, mesmo sabendo que o sacana não existe… olha, foi-se embora.

De capa nas costas,

Hazel
Consultas em Oeiras e online
Tarot | Reiki | Regressão | Reprogramação Emocional | Terapia Multidimensional

Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição 1669
Imagem: kellepics, licença CC0
Cronista, Viajante no Tempo, Terapeuta, Taróloga, Tradutora, Professora.

Comentários

Bliss disse…
Precisava de ler isto. Enfrentar medos...
Oh dificuldade.
Mas porque não me lembrei dos panos de cozinha?
Agora que sei, tenho a certeza que vai ser mais fácil.

Obrigada, Hazel