ROLIÇA E DE PERNAS CURTAS, encontro-a sentada em doce pacatez sobre um banquinho que desaparece debaixo das saias, dando a ideia de estar a chocar os ovos que tem para venda. Usa sempre o mesmo kispo cor-de-papas-de-aveia, a condizer com o tom das asas das suas galinhas.
As caixas de madeira ao seu lado esperam pelos fregueses; cheias de ovos, alguns das suas galinhas, e um ou outro com o carimbo vermelho do aviário, mas quem é que vai reparar.
Espera pelos clientes com a tranquilidade de quem já viu muito e por isso sabe que não há penas que valham a pena apoquentarmo-nos. Quer chova, quer faça Sol, o sorriso reconfortante ilumina-lhe o rosto trigueiro, salpicado por uma constelação de manchas deixadas pelos Verões, como beijos de Sol que nunca desaparecem.
O olhar ágil, de quem faz contas de cabeça com a mesma genica que uma galinha depenica os grãos de milho, acompanha os meus passos enquanto desço as escadinhas da vila de Oeiras, apressada como uma lebre em maratona contra os ponteiros do relógio.
Retribui mansamente os meus bons-dias, enquanto choca os ovos. Sei que me lê como um livro, quando estou contente ou cabisbaixa. Deixo que me leia, pois também a leio.
Num vislumbre de segundos, vejo-a migar com paciência o pão velho para fazer papas para as galinhas. Estas são quase sempre a sua única companhia. Vejo-a recolher os ovos com as mãos pequeninas e amorosas, as mesmas que não sabem escrever muito bem, mas sabem amar. Às vezes é dura com as palavras. Mas nem sempre. Há muitos anos que aprendeu quando falar e quando guardar silêncio, e a manter uma certa reserva com as pessoas.
A sua casa cheira sempre a papas de farinha de milho e a Sol, como se um fosse sinónimo do outro. Na janela da cozinha, ao lado do cesto das molas da roupa, tem um rádio velho que toca baixinho todas as manhã enquanto bebe uma chávena de café solúvel. Gosta da cor amarela e tem uma colcha feita com restos de lãs aos pés da cama, onde o gato se deita todas as tardes. Sei tudo isso sem nunca termos falado — e aposto que ela sabe outro tanto de mim. Ou mais.
A senhora-galinha é a derradeira guardiã dos contos inventados e por inventar, das fábulas das cegonhas e das raposas, das galinhas com dentes, dos coelhos com asas e dos elefantes voadores.
É por ela que ainda existem ovos de ouro. São exactamente esses que choca sentada em frente ao muro de cimento que não tem cor nem luz, mas que ganha vida e apenas existe por ela estar ali.
Aquele fragmento de dia é imprescindível para preservar o trigo das sardas que me aparecem em todas as épocas estivais, e um dia serão também manchas da idade, beijos de Sol dados ao longo de muitos Verões. Fazemos parte da vida uma da outra. Somos amigas, sem sequer nos conhecermos.
O arcano Três de Copas inspira-nos a encontrar alegria, doçura e amizade ao virar da esquina. E quando não o encontrarmos, talvez porque já escasseiem no mundo, ou porque nem todas as localidades têm a sorte de ter uma senhora-galinha, sejamos nós a levá-lo.
O arcano Três de Copas inspira-nos a encontrar alegria, doçura e amizade ao virar da esquina. E quando não o encontrarmos, talvez porque já escasseiem no mundo, ou porque nem todas as localidades têm a sorte de ter uma senhora-galinha, sejamos nós a levá-lo.
Hazel
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Tarot | Reiki | Regressão | Reprogramação Emocional | Terapia Multidimensional
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Marcação: casa.claridade@gmail.com
Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição 1671
Ilustração: Prawny, licença CC0
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