Manifesto Anti-Galo de Barcelos

sexta-feira, agosto 07, 2015


REZA A LENDA que tinha havido um crime e um galego que estava de passagem, principal suspeito, foi condenado à forca. Desesperado, o homem implorou que o levassem ao juiz, que se encontrava a jantar com os amigos. Sobre a mesa havia uma travessa com um galo assado. O galego, insistindo na sua inocência, profetizou:

"É tão certo eu estar inocente, 
como certo é esse galo cantar quando me enforcarem."

A condenação foi em frente. No momento do enforcamento, o galo assado pôs-se de pé sobre a travessa e cantou. O juiz, consciente do erro, correu para o condenado e retirou-o da forca que, graças a um nó mal feito, não o matara.

O Galo tornou-se símbolo nacional desde o séc. XVI. De Norte a Sul do país, várias gerações de artesãos portugueses ― dir-se-ia possuídos pelo espírito do bicho ― não têm feito outra coisa ao longo destes cinco séculos, senão galos de Barcelos.

MEUS SENHORES, ELE ESTÁ POR TODO O LADO. 
Em estatuetas de todos os tamanhos e géneros, aventais de cozinha, azulejos, pratos, canecas, copos, travessas, brinquedos, tabuleiros, bordados, caixas, joalharia, almofadas, toalhas, canetas, saca-rolhas, guardanapos, tapetes, cortinas, relógios, porta-chaves, livros para colorir, colchas, tecidos estampados... ad nauseam!

Nem sei como não está na bandeira nacional, em lugar da esfera armilar. Ontem estava a folhear as promoções dos supermercados e lá estava na secção de têxteis:

"Panos da loiça estampados com o Galo de Barcelos, por 1€."

Com tantos padrões que existem, pelas barbaças de Zeus. Riscas, bolinhas, axadrezado, vichy, cornucópias, losangos, chevron. As modas passam, mas o velhaco do franganete sobrevive a tudo. Pudera, pois se ele cantou depois de ter sido assado, qual zombie de penas estorricadas.

Se houver alguém em Barcelos que esteja a ler isto, peço que encontrem outro símbolo. Um louva-a-Deus, um perú, um gafanhoto ― o que quiserem. Mas concedam descanso ao galo!

Há cinco séculos ― repito, cin-co-sé-cu-los que estamos nisto. Todos conhecemos o Galo de Barcelos, desde que nascemos. Aliás, já o aturamos desde há não sei quantas encarnações antes desta. Por isso, venho aliviar o nosso país com este Manifesto (alguém tinha que fazer isto).

Manifesto Anti-Galo de Barcelos

O Galo de Barcelos é chato.
O Galo de Barcelos nem sequer sabe cantar, porque é desafinado.
O Galo de Barcelos não passa de um frango que foi mal assado.
O Galo de Barcelos é fatela e piroso.
O Galo de Barcelos é um garganeiro que ocupa o espaço todo e não deixa as outras lendas serem também dignamente representadas em panos-da-loiça-a-um-euro.
O Galo de Barcelos cheira mal das patas! 
E tem a crista despenteada!
O Galo de Barcelos merece paz e descanso! 
E nós também! Dele!


Por certo vem nas profecias do Nostradamus que os panos da loiça do Galo de Barcelos serão os últimos sobreviventes após o fim do mundo.
Quem viver, verá!

Horrorizada com a descoberta de um pano da loiça do Galo de Barcelos no fundo de uma das gavetas da minha cozinha,

Hazel

PODERÁ TAMBÉM GOSTAR DE LER

3 COMENTÁRIOS

  1. Nossa, foi uma sincronicidade! Estava eu hoje, olhando para uma de minhas paredes e, parei o olhar em um prato com a pintura do galo de Barcelos e me perguntei: por quê esse galo é tão famoso?

    ResponderEliminar
  2. Ahahah, adorei seu manifesto! Só há uma inverdade nele: a lenda surgiu em 1925 e o galinho só ocupa o honroso cargo de símbolo nacional desde 1931, não há cinco séculos. Mas, sim, parece que já faz cinco séculos mesmo, de tanto que o vemos por toda parte!!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada pela correcção, querida Fátima. Irei verificar as minhas fontes.
      Em todo o caso, parece mesmo que já passaram cinco séculos! :)

      Eliminar

Obrigada pelo seu comentário ♥