Palavras e Expressões Alentejanas

segunda-feira, março 07, 2016


Um destes dias, peguei no lápis e no meu caderno de pensamentos, e comecei a reunir uma lista de palavras e expressões alentejanas com que cresci. Ai que bem que soube! Esta vossa escriba não nasceu no Alentejo, mas a parte que vai desde as costelas flutuantes até às unhas dos pés é feita de 50% de genes alentejanos.

Com respeitosas desculpas por algum palavreado que poderá constranger alguns mui nobres leitores de trato mais cerimonioso — que os alentejanos de outrora chamavam tudo pelos nomes, ou então inventavam designações mais castiças — atrevo-me a partilhar este pequeno acervo de expressões coloquiais das terras do além Tejo, resgatado dos recantos mais poeirentos da minha memória, assim como algumas histórias:

Levas um par de nalgadas nã' tarda.
Foi logo a primeira expressão que me lembrei, porque levei muitas. Os alentejanos não usam a palavra "rabo". Só para os animais. Os humanos têm nalgas. Nalgadas são palmadas no rabo.

Pantomineiro (pronuncia-se pant'minêro).
Mentiroso. Aldrabão. Aquele que diz pantominices.

Estás aqui, estás a levar uma estampilha.
Bofetada. Também levei, especialmente da minha professora primária, que estava na menopausa e, para aliviar os picos de fúria, fazia o gosto ao dedo a esbofetear os miúdos que se esqueciam de fazer os trabalhos de casa (eu era dolorosamente esquecida...).

Caga-te, porca.
Adoro esta. Tem tanto de embaraçoso quanto de cómico. Já não a oiço há anos.
É o equivalente ao "gaba-te, cesto", quando alguém tem a mania da superioridade e gosta de se vangloriar. Mal podem imaginar a quantidade de vezes que a digo mentalmente em resposta a gabarolices que oiço por aí. 😀

Vou à da Conceição.
Ir "à da" é ir a casa de alguém que, geralmente, nunca é muito longe. No entanto, se a casa for longe, numa outra cidade a vários quilómetros de distância, nesse caso já se dizia "vou visitar a Conceição". Dizia-se sempre "à da", e nunca "à do", a menos que se tratasse de um homem que vivesse sozinho.

Cagalosa.
Havia uma vizinha alentejana com quem eu costumava ir para a praia de Carcavelos quando era pequena. Era uma mulher simpática, mas, benzam-na os Deuses, bruta.

Na época, não sabia nadar. Ela obrigava-me a ir para a água; levava-me ao colo e deixava-me cair quando vinham as ondas e eu não tinha pé. Acabava por ir ao fundo, em pânico com a água a entrar-me pelo nariz e pela boca. Quando ela me agarrava e voltava a tirar da água, ria-se e dizia sempre "Ah, cagalosa!". — Eu ficava danada.

Cresci zangada com ela, porque passou um Verão inteiro a brincar aos afogamentos comigo e ainda tinha o desplante de me chamar cagalosa, porque sabia que me arreliava. Fingia que não a via quando passava na rua e, mesmo assim, ela exclamava sempre um sonoro e denunciador "OLH'Á CAGAAALOSAAA!".

Ainda hoje, se ela me encontrasse, me chamaria assim. E se na adolescência eu me encolhia de vergonha pela embaraçosa saudação, hoje tenho saudades de ouvi-la.
Mas da boca desta senhora. Que ninguém se atreva a chamar-me cagalosa. A ver!
Quase me esquecia de referir o significado da palavra. Um cagaloso é alguém medroso.
[Esta vossa escriba já não tem medo da água, mas ainda sou cagalosa com as ondas, especialmente as do Guincho, que são bravas]

Anda lá que n'a morres de coice de boi.
Deixa lá que isso não te vai fazer mal (quando temos medo que um determinado alimento nos vá fazer mal).

Rodilha = Pano de limpar a loiça. Ou roupa amarrotada.
Amolar = Arreliar. Aborrecer.
Assomei-me à janela. = Espreitei pela janela.
Titarada = Macacada. Confusão. Palhaçada.
Gaiato. Ou gaiata. = Criança. Rapaz ou rapariga novos.
A dormir e a caçar ratos. = A fingir que está a dormir.

Temos a porca nas ervilhas.
O equivalente a "está o caldo entornado". Ou ao igualmente ameaçador "mau, mau..."

Temos a burra nas couves. = Idem anterior.

Porra madrinha, que se caga a noiva.
Equivale a "porra", mas mais refinado, como se pode v(l)er. Expressão de espanto, admiração.

Parece que saíste do cu do burro. = Tens a roupa toda amarrotada.
Eu pareço sempre saída do cu do burro, porque não passo a ferro há muitos anos.

Foi prender o burro. = Amuou, fez birra.
Está com o grão na asa. = Está bêbedo.
Isso traz água no bico. = Ter segundas intenções.
Testo = Tampa (da panela, por exemplo).
Chocolatêra = Cafeteira.
Aventar = Deitar fora.
Canalha = Grupo de miúdos.
Astro = O céu. Exemplo: "O astro hoje está carregado, vem lá trovoada."
'tou cá com uma lanzêra. = Estou cá com uma preguiça/moleza.
Magano = Maroto, traquinas.
Zorra = Raposa
Ametade (pronuncia-se com os dois "ás" abertos) = Metade.

Cagando e andando (nem acredito que escrevi isto),

Hazel

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10 COMENTÁRIOS

  1. Adorei todas.. como nunca passo minhas roupas e vivo amarrotada, sabeis qual eu ri mais, ahahaha. um grande abraço!

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  2. Que delícia! Cresci com várias destas expressões, eu que passava férias com os meus avós alentejanos. Além do testo e da chocolatêra, havia uma outra. Certa vez a minha avó pediu-me para ir buscar uma sertã. Eu, menina de Lisboa sabia lá o que era uma sertã...! "Ai filha da minha alma, uma menina de 14 anos que não sabe o que é uma sertã!" - disse-me abanando a cabeça. Foi buscar a dita e veio com uma frigideira na mão, haha!

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  3. O que eu já me ri... é que aqui no Montijo ainda se diz a maioria destas expressões! :)

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  4. Ahahah, "cagando e andando com'ó burro de Serpa!!" ainda uso muito!

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  5. A minha avó materna que não era muito paciente,qdo as 4 netas se envolviam em briga tinha uma expressão que nos caía muito mal"suas excumunguedas"

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  6. Ainda digo algumas e já saí do Alentejo faz anos,mas são expressões que nunca se esquecem😁😁😁

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  7. Conhecia todas, excepto: caga-te porca! Ri-me ao recordar tudo isto! Parabéns!

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    1. Diz a sertã para as trempes

      Chega te pra lá que me fuscas

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  8. Caga-te porca não conhecia ,e sou alentejana ,nem em todo o alentejo se usam os mesmos termos ,adorei recordar ,porque há muitos que não ouço há muito tempo

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  9. sou brasileira, e acessei este texto agora. usamos muitas dessas expressões, mas nem de longe imaginaria sua origem alentejana

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