Jardinar como um verdadeiro jardineiro

quarta-feira, outubro 12, 2016


Observar um jardineiro a trabalhar é um verdadeiro tranquilizante natural, uma panaceia para os sobressaltos que nos chocalham a paz de espírito. Nos jardins municipais, eles são quase invisíveis, vestidos de farda verde como se fossem uma discreta e respeitosa extensão da natureza circundante - e são-no, deveras. 

Espelhada no seu rosto, a doce e serena ausência de quem viaja ao sabor do vento em pensamentos enquanto as mãos se fazem dotar de vida própria cortando folhas secas e atando os ramos verdes-claro, ainda tenros, às estacas que lhes guiam e orientam o crescimento - como um paciente mas firme professor que ensina o caminho ao aluno. 

É apaziguador contemplar a forma como os jardineiros aconchegam a terra húmida à volta das raízes da alfazema replantada no fim da Primavera, como quem prepara a cama de um bebé e lhe compõe os cobertores para que não apanhe frio nas costas. Raramente os vejo correr no cumprimento das suas funções. Um dente-de-leão não tem pressa de ser arrancado. Pode ser agora ou daqui a duas horas; não vai fazer diferença. E está certo assim. O imediato é inútil e irrelevante no crescimento de um jardim. Que o diga a hera, constante, lânguida e sinuosa.

Eles, os cuidadores do verde, sabem que tudo leva o seu tempo e, mesmo assim, esse tempo pode até nunca chegar. Afinal, uma planta pode acabar por nem medrar. De nada adianta tentar pressioná-la para que brote mais depressa e para que dê frutos. Semeia-se com a fé na mão esquerda e o desapego na direita. Sabe-se colocar a semente na profundidade certa e na exposição solar mais favorável. Rega-se, aduba-se, cuida-se. Faz-se o melhor que é possível fazer e depois o resto é com a Natureza. É ela, senhora soberana do compreensível e do inatingível, que dá o veredicto final.

Saber esperar é uma virtude rara e imensamente admirável que os jardineiros, possuidores de sabedoria forte e telúrica como raízes de cedro, dominam com mestria. Tudo se deve fazer no momento certo para ser feito. E depois espera-se enquanto se cuida, e cuida-se enquanto se espera, sem que se dê pela espera a decorrer.

Esta semana, a carta Valete de Ouros inspira-nos a colocar as mãos na terra e a sermos jardineiros da nossa própria vida. Sem ceder a pressões. Sem dar um passo maior do que a perna. Sem necessitar que alguém nos motive. Trabalhando em harmonia com o todo, para um propósito concreto, mesmo que não saibamos se esse objectivo alguma vez será atingido.

Como um jardineiro, temos de semear, cuidar, nutrir, aprender a arte da paciência, e esperar pelo melhor. Se tudo correr bem, colheremos os frutos um dia, quando o tempo certo chegar. Senão, livramo-nos dos ramos secos, e voltamos a plantar - quando regressar a Primavera.

Hazel
Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição 1602
foto: Foundry, licença CC0

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