Diário de Bordo do Navegante Solitário

quarta-feira, fevereiro 07, 2018


PEDE-SE À LOUCURA que, se um dia chegar, não se faça anunciar. Que tome conta de mim sem que eu o saiba, para que, ao marchar desalinhada dos demais, os julgue a eles descompensados (além de descompassados e destrambelhados), e a mim sã. 

Nada poderia ocorrer de mais lamentável senão a consciência da inconsciência, a lucidez das trevas.

Se se der o advento do desnorte, escusais de me avisar, pois vos tomarei como loucos por apontardes a fuga à norma onde a norma foge à fuga de si mesma.

Quem sabe não terei perdido já o tino e ainda ninguém tenha reunido a coragem de mo comunicar. Suspeito-o por encontrar-me tantas vezes a remar contra a maré com remos feitos de penas de gaivota.

Ainda assim, remo sem parar. Pouco importa se existe algum destino porventura escondido entre as brumas salgadas que repousam sobre a linha do horizonte. De que serviria uma ilha com palmeiras e araras no meio do oceano, senão para me deixar consumir pela insularidade, entontecida com o movimento das águas em redor dos meus pés estacados, mergulhados na areia fina?

À minha volta voam tubarões obesos e esfaimados, bocarra escancarada e dentes afiados, devorando peixes inocentes, matrículas de carros acidentados, garrafas de rum contrabandeado e almas desalmadas, sem sequer mastigar. Bom proveito lhes faça. 

Flutuam frascos de vidro com mensagens enroladas em papel ensopado, alforrecas gelatinosas. Ouve-se ao longe o eco do canto das sereias. 

O barquinho prossegue sem mapa nem bússola, em direcções improváveis, vivas e inquietantes, descobrindo novas pétalas à rosa-dos-ventos. Eles na deles, eu na minha. 

Desalinhada, inconsciente da minha inconsciência, flor branca à proa. Para eles, a terra é plana e termina no precipício da miopia; para mim, é redonda mal pareça ter caído no precipício, estarei a dar a volta por baixo, aparecendo por trás para morder-lhes o rabo!

Bons ventos me levem.

O arcano O Louco inspira-nos a nunca deixarmos de ocupar o nosso próprio lugar no mundo e de acreditar em nós, mesmo que sejamos tomados por insensatos. Que importa isso. Nada importa. Nada.

Hazel
Consultas em Cascais, Oeiras e online
Tarot | Reiki | Regressão | Reprogramação Emocional | Terapia Multidimensional

Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição 1667
Foto: licença CC0

PODERÁ TAMBÉM GOSTAR DE LER

0 COMENTÁRIOS

Obrigada pelo seu comentário ♥