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Diário de Bordo do Navegante Solitário


PEDE-SE À LOUCURA que jamais se faça anunciar. Caso me encontre, que tome conta de mim sem que eu o saiba, e ao marchar desalinhada dos demais, os julgue a eles descompensados, descompassados e destrambelhados –, e a mim sã. 

Nada poderia ocorrer de mais lamentável senão a consciência da inconsciência, a lucidez das trevas.

Se se der o advento do desnorte, escusais de me avisar, pois vos tomarei como loucos por apontardes a fuga à norma onde a norma foge à fuga de si mesma.

Quem sabe não terei perdido já o tino e ainda ninguém tenha reunido a coragem de mo comunicar. Suspeito-o por tantas vezes dar por mim a remar contra a maré com remos feitos de penas de gaivota.

Ainda assim, remo sem parar. Se surgir algum fragmento de terra escondido entre as brumas salgadas que repousam na linha do horizonte, continuarei a remar. De que serviria uma ilha com palmeiras e araras no meio do oceano, senão para me deixar consumir pela insularidade, entontecida com o movimento das águas em redor dos meus pés estacados, mergulhados na areia fina.

À minha volta voam tubarões obesos e esfaimados, bocarra escancarada e dentes afiados, devorando peixes inocentes, matrículas de carros acidentados, garrafas de rum contrabandeado e almas desalmadas, sem sequer mastigar. Bom proveito lhes faça. 

Flutuam frascos de vidro com mensagens enroladas em papel ensopado. Alforrecas gelatinosas. Ouve-se ao longe o eco do canto das sereias. 

O barquinho prossegue sem mapa nem bússola, numa rota não imaginada, viva e inquietante, descobrindo novas pétalas à rosa-dos-ventos. Eles na deles, eu na minha. 

Desalinhada, inconsciente da minha inconsciência, de flor branca à proa. Para eles, a terra é plana e termina no precipício da miopia. Para mim, é redonda – mal pareça ter caído no precipício, darei a volta por baixo, e aparecerei onde e quando menos imaginarem. Sempre distante, sempre alinhada com constelações de estrelas ainda por descobrir.

Bons ventos me levem.

O arcano O Louco inspira-nos a nunca deixarmos de ocupar o nosso próprio lugar no mundo e a acreditar em nós, mesmo que sejamos julgados. Que importa isso. Nada importa. Nada.

A remar sem parar,

Hazel
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Crónica semanal publicada no Jornal O Ribatejo, edição 1667
Foto: licença CC0
Cronista, Viajante no Tempo, Terapeuta, Taróloga, Tradutora, Professora.

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