Mais um dia começa a despontar, com a claridade lilás a surgir timidamente no horizonte. A terra amolecida pela humidade da noite afunda-se sob a passada ritmada das suas velhas botas castanhas.
Inspira o ar frio e perfumado da manhã como se o bebesse pelo nariz, e caminha guiada por uma música inaudível, com o cesto de colher frutas e ervas enfiado no braço direito, cumprindo um ritual que ninguém sabe quando começou.
Pelo caminho, vai colhendo flores de acácia, ramos de louro e algumas maçãs vermelhas, da mesma cor da fita de seda que atou há anos no pulso esquerdo. Através do nevoeiro com cheiro de madeira que envolve o seu corpo como um vestido esvoaçante de algodão, contempla o sulco na terra, marcado por tantas vezes que fez o mesmo percurso silencioso.
Onde os pássaros não cantam e o silêncio se adensa como dentro de uma bolha, ergue-se o carvalho centenário que tudo viu desde o começo dos tempos. Pousa a cesta no chão e, com respeito e devoção, aproxima-se da entrada para o buraco no tronco do carvalho. Afasta as teias de aranha como quem abre duas cortinas e senta-se dentro da árvore.
O ar húmido gela-lhe o rosto. As suas mãos magras retiram do bolso da saia o papel grosseiro e amarelado e a caneta. Estou pronta. A vertigem começa a fazer-se sentir, como se estivesse a flutuar e o mundo parece parar de rodar para que as vozes ditem o destino. Os sons sibilados por elas são transformados em palavras escritas na sua caligrafia irregular.
A sua respiração pára e, no entanto, as mãos não cessam de escrever. Os anos passam enquanto ela escreve lentamente, em transe, rodeada pelas aranhas que voltam a entrelaçar as suas teias de fios esbranquiçados à sua volta, que se confundem com a brancura dos seus cabelos, como se ela fosse uma aranha gigante dentro de um casulo no interior da árvore.
Quando as vozes se silenciam, a caneta volta para o bolso da saia, as teias são novamente rasgadas e...
To be continued...
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Beijocas***