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O que queres ser quando fores grande?


Aos 5 anos, vi uma telefonista com auscultadores a transferir chamadas desligando fios de um lado e ligando-os noutro. Fascinou-me a sua voz áspera, eficiente e monocórdica. Fumava como uma chaminé enquanto trabalhava na central que se assemelhava ao cockpit de um avião. Era o começo dos anos 80 e isto era tecnologia de ponta. 

Os telefones começavam aos poucos a ser instalados nas casas; dava-se 25$00 pela lista telefónica e falava-se alto nas chamadas regionais porque o interlocutor estava longe! Quis ser telefonista quando crescesse (ainda bem que não fui, dada a minha antipatia pela invenção de Meucci).

Aos 10, Yuri Gagarin foi o meu herói. Com ele, viajei de foguetão entre as estrelas e descobri os mistérios escondidos para lá das nuvens, onde a ausência de gravidade nos suspende no ar como pássaros livres. Ah, como quis ser astronauta. Estava disposta a sacrificar-me pela evolução do conhecimento. Não teria saudades da Terra, a Terra não teria saudades minhas. Seria perfeito.

Aos 11, quis ser modelo. Enfiava duas laranjas dentro do soutien da minha avó e vestia-o por baixo dos exóticos conjuntos que criava com as suas roupas - com que desfilava pela casa com grande seriedade e satisfação. Quando acabava o faz-de-conta, pendurava tudo impecavelmente nos cabides para que ninguém descobrisse.

Aos 12, quis ser dona de uma fábrica de perfumes, vestir tailleur cor-de-rosa, e ter uma secretária grande repleta de frasquinhos de vários formatos e tamanhos onde misturaria fragrâncias florais únicas. Nas janelas do meu escritório, haveria estores de lâminas que deixariam ver as palmeiras lá fora. Seria em Malibu?

Aos 14, quis ser vocalista de uma banda de rock. Vestiria cabedal preto e calças de ganga rasgadas. Seria moderadamente devassa. Teria uma Harley Davidson e tocaria guitarra eléctrica de forma estridente. Deuses, ainda bem que nunca aconteceu. Os que não ficassem surdos, ficariam loucos.

Aos 15, quis ser professora de inglês. Organizada, sóbria e picuinhas, de casaco de bombazine castanho, uma pasta simples onde guardaria os livros para as aulas e uma maçã vermelha sobre a mesa. Teria giz de várias cores para escrever no quadro negro. Os meus alunos fariam muitos ditados e cópias. Seria chata, e teria prazer nisso.

Aos 17, quis ser repórter de viagens. De chapéu de palha e sandálias, iria mostrar o mundo ao mundo. Deixaria tudo e todos para trás. Iria sozinha. O mundo seria a minha casa. Escreveria sobre as minhas viagens e teria um programa de televisão que seria transmitido a partir de qualquer lugar inesperado.

Isto talvez explique porque me sinto realizada se fizer várias coisas diferentes. 
Os astrólogos diriam que é porque tenho Júpiter em Gémeos. Como as Matrioskas, há várias mulheres dentro de mim e cada uma é feliz a fazer a sua parte: blogger, tradutora, revisora, cronista, taróloga, terapeuta, professora, bailarina, orientadora de meditações, curadora, poetisa que não rima, mãe, contadora de histórias.

Fechei a porta dos sonhos durante muitos anos. Talvez achasse que sonhar tem prazo de validade e o meu estivesse ultrapassado. Contudo, nos últimos anos, os sonhos voltaram. Sonho em segredo e escrevo os meus desejos em bocadinhos de papel que dobro e escondo onde ninguém possa encontrá-los e rir de mim por ainda me atrever a sonhar.

Entretanto, finalmente decidi o que quero ser quando for grande. Quero ser eu. Completa.

A caminho da realização,

Hazel
Cronista, Viajante no Tempo, Terapeuta, Taróloga, Tradutora, Professora.

Comentários

Ah, como isso é bom! Ser o melhor de nós mesmas! Simplesmente ir passando e seguindo adiante com uma brisa errante! Beijos!
Sara Jesus disse…
Um dos meus textos preferidos do blog. É tão bom sonhar... Também eu já quis ser tanta coisa( ainda quero). Mas acho que o importante é o que diz no fim. Devemos ser apenas nós próprios. E isso que quero ser neste momento. Apenas a Sara, a pessoa.
Cumprimentos,
Sara Jesus