Roupa de Boneca


Que delicioso, andar a vasculhar os baús, encontrar a minha boneca preferida de quando tinha 7 anos, e ver que o vestido de lã que, na época, fiz num tear, é semelhante ao que hoje, com 37 anos, estou a usar.

Sempre com bom gosto, desde gaiata. grin emoticon
Isto, senhoras e senhores, é coerência!

[Excepto o cinto. O da boneca é mais interessante que o meu. Acho que vou fazer um em tamanho grande para mim. Vou, vou.]

Vestida de boneca,

Canções do nosso tempo :: O Segredo Horripilante


Não sei se mais alguém terá alguma vez reparado, mas há certas canções infantis de antigamente cujas letras parecem ter sido escritas por psicopatas.

Se julgam que me refiro ao "Atirei o pau ao gato", estão enganados. Essa foi escrita por alguém que espanca animais. São distúrbios diferentes.

Trata-se da perturbadora "Machadinha."

Consigo imaginar este clássico infantil cantado pelo vocalista dos Sepultura, entre as guitarras eléctricas e os gritos estridentes das vítimas.

Observemos detalhadamente a letra duvidosa deste êxito dos bons velhos tempos:
(a canção a preto, os meus comentários a azul):

A Machadinha (letras)

Ah, ah, ah, minha machadinha,
Ah, ah, ah, minha machadinha,
[Começa logo assim, desta forma que soa ameaçadora.]

Quem te pôs a mão sabendo que és minha?
Quem te pôs a mão sabendo que és minha? 
[Ora, aqui percebemos que alguém mexeu na machadinha dele. Ele não gostou.
Alguém vai ter de pagar por isso.]

Sabendo que és minha, também eu sou tua,
Sabendo que és minha, também eu sou tua,
[O dono da machadinha ama-a tanto, que desenvolveu uma ligação obsessiva com ela, considerando-a uma extensão de si, e vice-versa.]

Salta machadinha, lá p'ró meio da rua.
Salta machadinha, lá p'ró meio da rua.
[Pronto, lá vai ele. Atirou com a machadinha para o meio da rua, podendo acertar na cabeça de alguém. Ou terá sido de propósito, e a sua intenção é matar pessoas à machadada? 
O facto é que uma machadinha foi a voar para a rua, e está o pânico instalado.]

No meio da rua não hei-de eu ficar,
No meio da rua não hei-de eu ficar,
[Ai. Eu bem dizia. Foi de propósito. E agora, onde irá ele a seguir?]

Eu hei-de ir à roda escolher o meu par.
Eu hei-de ir à roda escolher o meu par.
[Vai procurar um cúmplice. Alguém que o ajude no dirty work.]

O meu par já eu sei quem é,
O meu par já eu sei quem é,
[Todos se escondem. "Eu não, eu não!", gritam para dentro, apavorados.]

É um rapazinho chamado José.
É um rapazinho chamado José.
[Estás tramado, José. "Eu não sou José, sou só Zé.", responde ele a tremer, engasgando-se com a própria saliva.]

Chamado José, chamado João,
Chamado José, chamado João,
[Então, é o José, ou o João? O assassino está indeciso. Pessoas que tremem como o José não servem para manusear uma machadinha, sujam tudo.]

É o rapazinho do meu coração.
É o rapazinho do meu coração.
[Ficou mesmo o João. O João não conseguiu responder porque estava afónico e engoliu a pastilha elástica com o susto.]

Aqui, a música original:



E é isto que as pessoas cresceram a ouvir em Portugal.

Adversa a objectos cortantes,



O Frango de Satanás

Abriu há alguns meses uma churrasqueira ali na rua de cima. Desde então, deixei de sentir o perfume doce e limpo da chuva e o odor verde das árvores.

A todas as horas do dia, um intenso e persistente cheiro a frango assado espalha-se no ar, assim como um pum que se julgava inócuo e até inofensivo, mas se revelou agonizante. Um pum cujo cheiro não desaparece nunca. 

(pausa dramática)

Às oito e tal da manhã, o frango assado entra-me a voar pela janela da casa-de-banho, misturando-se atrevidamente com o vapor do meu duche de ninfa, que outrora apenas suspirava a rosas e alfazema. Já deito frango pelos olhos.

Os ventiladores da churrasqueira - ou as ventas de Satanás, como preferirem - vão ao rubro de tanto fumo vomitar ao fim-de-semana, esses dias tenebrosos em que alguém sempre exclama: "Vamos buscar um frango!"

Como se o desgraçado do frango, que está destinado a salvar o almoço tardio, fosse o Messias que vai salvar o mundo.

Mal oiço o "Vamos buscar um frango", imediatamente vejo o pobre frango espavorido a fugir rua fora de asas abertas e a cacarejar, qual personagem do filme "Fuga das Galinhas". 

Não, não vamos buscar porra de frango algum. Deixem o bicho em paz.

Mal-humorada,

Diário de Viagens. Página 1


Escrito dentro do comboio algures entre o Algarve e Lisboa.

Gosto de viajar sozinha, sem que o meu silêncio seja invadido por palavras supérfluas.
Viajar é como viver um caso de amor. Ou de prazer egoísta. Deixar-me seduzir sem oferecer resistência pelo calor de uma nova terra, os seus cheiros, a pronúncia. Pensar que eu podia ficar lá, mas, inevitavelmente, acabo por ir embora, como um amante de uma só noite, o único que alguma vez tive; as viagens.

Dentro da minha cabeça, toca “You could be mine” dos Guns n' Roses, e eu sorrio discretamente, mantendo o registo semi-apagado, silencioso e invisível, em harmonia com o meu velho vestido de lã cinzento e cheio de borbotos. 

O comboio atravessa o Alentejo com o Sol doce e quente a entrar por ambos os lados.
Sinto-me abraçada, amada por esta terra onde não nasci, mas estendi uma raiz fininha e esperançosa. Um dia, Alentejo, um dia.

Quase não se sentem os carris, poderia imaginar que estou a viajar sobre nuvens.
As copas das árvores apressadas enchem-me os olhos, que se alongam de amor.
Obrigada, mundo. Ainda bem que aqui estou.

Sobre carris,

Hazel

Fazer um Banho de Sereia


Todas as mulheres são sereias que navegam na inconstância das marés ao longo de cada lunação. Umas vezes, mantêm-se à superfície, beijadas pelo Sol morno e atrevido.

Outras, mergulham nas profundezas obscuras onde se debatem com limos fantasmagóricos que lhes agarram as pernas, e esbofeteiam peixes-espada que se metem pelo caminho na hora errada e a fazer má cara.

São tantas as vezes que nadam contra a corrente, sentindo-se exaustas, irritadas, incompreendidas, à deriva no mar das emoções. Terrível e mágico ao mesmo tempo!

Sob o olhar cúmplice da Lua que espreita pela janela através dos fios prateados da teia-de-aranha onde uma mariposa acabou de cair, a banheira enche-se de água quente, onde se dissolve um saco de tule com ervas consagradas e sal.

O mundo não existe mais. Só a água e o silêncio que se encontra quando nos deixamos escorregar e nos submergemos totalmente, deixando apenas a pontinha do nariz de fora.

Debaixo de água, ouvimos o ar entrar e sair nos nossos pulmões. Regressamos ao início, à respiração, à nossa essência. Ficamos até que a água arrefeça. Sem pensar, apenas a respirar.

Quando saímos, deixámos de ser a mulher-polvo afogueada que tenta fazer tudo ao mesmo tempo no meio de atarefados cardumes de cores psicadélicas e de gaivotas enlouquecidas, para sermos apenas e tão-simplesmente... uma sereia.

A navegar sem limos,

Hazel