MANUAL DE INSTRUÇÕES DISTO TUDO | Como se Deve Viver

Se te sentes perdido na vida e sem saber o que fazer. 
Desnorteado e farto de tudo, isto é para ti:

SOPREI A POEIRA que cobria a encadernação revestida com tecido envelhecido, ratado pelas velhacas das traças. Revelou-se, para deleite dos meus olhos gulosos, o título em caligrafia antiga: «MANUAL DE INSTRUÇÕES DISTO TUDO»

Sabia que o filha-da-mãe tinha que existir. O que procurei por ele, qual Santo Graal! Estava ciosamente guardado dentro de uma gaveta secreta no meu ventrículo esquerdo, entre relicários e rendas amareladas. Deveras, nunca antes a tinha aberto.

É uma verdade universal, suprema, incontestável: os manuais de instruções são a literatura mais desprezada do mundo, a par com a literatura médica que acompanha os remédios e os rótulos dos detergentes da loiça.

Quando se compra um aparato electrónico, vai-se experimentando e, por tentativa-e-erro, procura-se descobrir como funciona. 

A minha máquina de lavar que rouba as meias, e a cafeteira-chupista que chupa o café de volta para o compartimento da água, cujos livretos nunca li, demonstram, com efeito, que os manuais de instruções foram concebidos para acertarmos à primeira. Se apenas não tivéssemos preguiça de os ler. 

O lendário «MANUAL DE INSTRUÇÕES DISTO TUDO» detém os mais valiosos segredos de sobrevivência nesta inquietante, selvagem e perigosamente fatal aventura que é A EXISTÊNCIA HUMANA. 

Bem entendido, a garantia de uso termina quando morremos. Há, pois, que ler este manual de instruções. Lê-lo? Devorá-lo. Fecha a boca e abre os olhos:

MANUAL DE INSTRUÇÕES DISTO TUDO

1. A partir do momento que nasceste, tens automática e irrevogavelmente licença divina para existir e para ser feliz. Usa-a como se um dia fosses (e vais) morrer.

2. Se tentares agradar a todos, vais ser infeliz como uma carraça presa no ânus de um elefante. A maior parte das pessoas nem sequer gosta de si mesma, como é que há-de gostar de ti.

3. A opinião dos outros e a forma como te tratam não representam nem definem o teu valor. Vais passar a vida a esquecer-te disso. Para evitar danos irreparáveis, deves recorrer a este manual com frequência.

4. Não tenhas medo de ser ridículo. Assim, ficas liberto de estar à altura do que os outros acham que "deves" ser. Cada equipamento tem a sua própria voltagem e deve ser respeitada para não avariar.

5. Quanto menos te importares com o que os outros pensam, mais feliz serás.

6. Escuta-te a ti primeiro. Fala contigo mesmo com bondade.

7. Se alguém te tratar mal depois de pedires desculpa por alguma falha que tenhas cometido, nunca mais te desculpes. És parvo ou quê?

8. Estás naturalmente equipado com duas orelhas e apenas uma boca para falares menos e escutares mais. Respeita as normas de utilização para não causar estragos.

9. Quando estiveres triste, com problemas, ou mal vestido, muitas pessoas irão tratar-te com desdém, afastar-se, ou sentir prazer por ver-te em baixo. Significa que essas pessoas são umas estupidinhas. Lembra-te disso quando a vida te correr melhor e estas se reaproximarem. Mas não guardes ressentimento. Simplesmente, segue o teu caminho.

10. Sempre que tiveres oportunidade, peida-te livre e graciosamente. Não guardes nada. O mesmo se aplica aos ressentimentos. Tenta libertar-te deles.

11. Afasta-te de quem só te critica, só te puxa para trás, só se queixa, só fala mal dos outros ou só te procura quando precisa de ti. Não sejas também uma dessas pessoas.

12. Afasta-te dos bazofeiros que só se gabam, só falam de si mesmos e nunca perguntam sobre ti. Não sejas também um bazófias.

13. A perfeição só existe na Natureza. Relaxa, pá. 

14. Não permitas que a mesma pessoa te rejeite duas vezes.

15. Nunca te faças pequeno (independentemente de seres alto ou baixo).

16. Ninguém tem razão. A razão não existe, embora todos a disputem. 

17. A vida não é justa.

18. Causa a pior impressão possível. Não tentes ser bonzinho nem causar boa impressão. Assim, ninguém vai esperar nada de ti e ficarás livre de pressões.

19. Não guardes as tuas melhores roupas ou objectos para dias especiais. Todos os dias são especiais.

20. Sê sempre bem-educado. Contudo, se te mandarem à merda, não vás. Sugere cordialmente a essa pessoa que vá primeiro e volte para contar como foi a viagem.

21. Se vires demasiados noticiários ficarás chato, sério e cinzento.

22. Vais cometer erros ao longo da vida e irás aprender até ao teu último dia — se fores humilde e não te armares em sabe-tudo.

23. Não esperes que os outros morram para começares a viver.

24. Mesmo que não tenhas talento para fazer algo que te possa trazer alegria, não deixes de o fazer.

25. Não precisas da aprovação de ninguém.

26. Respeita todas as pessoas igualmente, qualquer que seja a sua aparência, etnia, idade, orientação sexual, nível académico, social ou económico. Todos são teus professores, mas só irás descobrir isso muito tarde (a menos que leias este manual).

27. Não entres em competição com ninguém. Deixa que te achem um falhado e que se riam de ti. Ri-te também. Assim, cansas-te menos e a energia que usarias para competir servirá para investires no que te fizer feliz.

28. Guarda para ti os teus planos, os teus medos e as tuas fragilidades. Cuida deles com amor e paciência.

29. O tempo não existe. Por isso, nunca chegas atrasado. Estás sempre na hora certa.

30. Passar a roupa a ferro ou estar impecavelmente penteado são preocupações inúteis. Nada disso afecta o movimento de translação do planeta Terra. 

Nas profundezas cardíacas cuja tinta ensanguentada me escorre directamente das artérias para a caneta,

Hazel
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Foto: Hazel, por Carlos Carreto

A Vida que não foi Vivida


QUANDO FOR IDOSA, e tiver os cabelos cheios de neve, o rosto marcado de Inverno e as mamas caídas como dois saquinhos de chá colados nas paredes da chaleira, espero não sofrer pela vida que não vivi. 

Pelos palavrões escabrosos que não disse, os momentos ranhosos que perdi a chorar, as fases em que me traí e não acreditei em mim para acreditar nos outros. 

Pelas vezes que me contive de dizer o que pensava, ou de brincar, para não parecer mal; não dancei ou não cantei para não ser ridicularizada. Rais'parta.

Por tantas ocasiões que me apeteceu ouvir música alto mas baixei o volume para não dar nas vistas, e que me encolhi fazendo-me pequenina. 

Pelas memórias que mastiguei como uma pastilha elástica mal-saborosa que quis cuspir para longe mas não desaparecia da minha boca. 

Pelas ocasiões em que me deixei rebaixar por alguém. Em que me doeu o coração e me enfiei na cama sem saber o que fazer com ele, e me permiti ser criticada, aumentando ainda mais a dor que sentia, em que desejei a morte quando na verdade só queria viver. Viver, porra. Viver a sério. Viver. Viver.

Espero não aprender a viver só quando já não houver vida para ser vivida.

Cada vez com mais cabelos brancos (e à procura do manual-d'instruções-disto-tudo),

Hazel
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Foto: Hazel, por José Cavaco

Winter Blues : A Tristeza Inv(f)ernal



QUANDO LANÇAMOS UMA PEDRA A UM LAGO, forma-se um movimento de pequenas ondas que se propagam sucessivamente em círculos, até desaparecerem por completo. No entanto, por muitas pedras que sejam arremessadas, o lago volta sempre ao estado de imobilidade.

A agitação na superfície não afecta as águas no fundo do lago, que permanecem calmas, no estado de serenidade e silêncio absoluto.

O lago é um mestre para aqueles que se sentam a aprender as suas lições através da singela arte da contemplação. A superfície espelhada reflecte a constante mutabilidade do céu: nublado, azul-índigo, salpicado de estrelas, nos gradientes das horas crepusculares, no cinzento rasgado por relâmpagos. 

Mas o lago jamais se permite confundir com o que espelha.

Ainda que o mundo à nossa volta se nos apresente mais cinzento ou hostil, podemos escolher reflecti-lo sem nos deixarmos ‘con-fundir’ com as dinâmicas externas, e deixar que os acontecimentos da vida passem através de nós como se fôssemos transparentes, subtis — como a água.

Esse deveria ser o nosso estado “ideal”. Mas atire a primeira pedra quem nunca se deixou esmorecer nos dias cinzentos.

A chegada do Inverno, com a diminuição de luz solar, tende a interferir com o estado de espírito das pessoas mais sensíveis, causando aquilo a que se chama “Winter Blues”.

O “Winter Blues” consiste numa mudança de humor durante os meses mais frios e escuros do ano, que pode afectar várias áreas da vida.

A falta de exposição solar pode causar a queda dos níveis de serotonina, um neurotransmissor que regula o humor; disrupções nos ciclos circadianos (o nosso relógio interno), que ajudam a controlar o ciclos de sono; alterações na melatonina, a hormona associada ao humor e ao sono.

Sentimos menos entusiasmo pela vida, a produtividade diminui, os relacionamentos são afectados. O nosso “lago interior” agita-se e tem dificuldade em conseguir regressar ao estado de serenidade.

Reconheça os principais sintomas de “Winter Blues”:

🚩 Dificuldade em dormir/acordar;
🚩 Sensação de letargia;
🚩 Tristeza generalizada durante mais tempo que habitual;
🚩 Estar menos sociável, mais introspectivo;
🚩 Falta de capacidade de iniciativa;
🚩 Perda de interesse em actividades que anteriormente apreciava;
🚩 Menos energia;
🚩 Dificuldade de concentração;
🚩 Instabilidade emocional;
🚩 Sensação de desajuste, desolação ou auto-desvalorização;
🚩 Pensamentos negativos, derrotistas.

O que fazer, então?

Tomar suplementos prescritos por um médico ou terapeuta, praticar exercício físico, fazer meditação, melhorar a alimentação ou, em casos mais severos, fazer psicoterapia, podem ser uma boa ajuda.

No entanto, quando os níveis de energia se encontram realmente bastante em baixo, torna-se menos fácil colocar em prática algo novo. Neste caso, o Reiki pode ser uma solução complementar eficaz para combater a tristeza invernal, pois não exige qualquer esforço físico ou psicológico.

Esta terapia complementar, praticada há cerca de um século, teve a sua origem no Japão com o objectivo de devolver o equilíbrio ao ser humano através da canalização de energia vital.

O propósito do Reiki é devolver-nos ao estado de harmonia.

Através do recebimento regular de Reiki, é possível permanecer no estado de serenidade e imperturbabilidade das profundezas do lago. Regressamos ao silêncio interior, à transparência das águas que reflectem sem absorver as imagens, emoções e dinâmicas externas.

É possível atravessar o Outono e o Inverno mantendo o Sol a brilhar dentro de nós. 
Mas pode ser necessário receber ajuda. E está tudo certo.

A combater o inferno-da-tristeza-d'Inverno,
E com saudades do Sol,

Hazel
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Foto: Hazel, por Filipe Correia
Artigo publicado também na Revista Reiki & Yoga, Ed. n.º 44, rev.

Viagem à Terra do Diabo — Parte 2

← Continuação da crónica anterior: Viagem à Terra do Diabo – Parte 1

OS PÉS DA VOSSA ESCRIBA avançam pela penumbra das ruas antigas. Perante os seus olhos emerge a ponta reluzente do pirilau do Cabrão (Diabo). 

A aldeia é decorada com pentáculos (estrela de cinco pontas que representa o equilíbrio dos elementos: água, fogo, terra, ar, éter).

O aroma reconfortante das castanhas assadas trepa pelas ruas 
em braços de fumo ondulantes e convidativos.

Vinhais, terra do Diabo, é também terra de castanheiros, árvore sagrada para os Druidas, símbolo de perseverança e abundância. 

No Outono transbordam ouriços e castanhas caídos das árvores junto às estradas que serpenteiam pelas serras. A vossa escriba não resistiu e trouxe alguns sacos com castanhas. Para investigação, claro está.

A festa é por ali, entrem à vontade — indica-nos um homem que enverga uma capa escarlate e chifres protuberantes com a admirável autoridade, naturalidade e satisfação de quem finalmente pode vestir aquilo que lhe apetece sem ter de lidar com julgamentos.

O ritmo folgazão dos bombos e gaitas-de-foles ecoa pelas encostas, rasgando o silêncio montanhoso à volta da aldeia de Cidões, num ritual que redesperta os velhos deuses telúricos do profundo sono secular.

O Canhoto.

A pilha de ramos e troncos reunida pela população arde no centro da aldeia, pronta para queimar o Cabrão no fim da festa. Ao lado, é cozinhada a Cabra, a sua mulher, em caldeirões. Diz a tradição que a lenha não arde se não tiver sido roubada. 

Os músicos e saltimbancos tocam e dançam à volta da fogueira, em torno da qual caminhamos no sentido anti horário para desfazer os males, e no sentido horário para trazer a abundância.

Aquecem-se os ânimos com o Ulhaque, bebida espirituosa de origem Celta, típica de Cidões. Contém bagaço, medronhos, infusão de ervas e outros ingredientes secretos, extraídos das encostas do Rio Tuela. É degustado gelado e promete ter um fino sabor. Digo “promete” porque não cheguei a provar, oh que diabo!

A poção do Druida.

Acompanhado pelas três faces da Deusa Tríplice (Mãe, Donzela e Anciã), o Druida esconjura a má sorte, os malefícios e o mau-olhado. 

Com o fogo como ingrediente principal, dentro e fora do caldeirão, prepara a Queimada, uma poção mágica de limpeza e protecção para o corajoso que a beber.

A chegada do Diabo. 

Este magano que dizem esconder-se atrás das portas, chega ataviado a rigor, fazendo-se transportar com grande alarido num carro de bois puxado por homens. 

Lança o terror sobre a população, representando assim os medos, a escuridão, as dificuldades da vida e a submissão do homem aos vícios e instintos.

Trava–se uma batalha entre o Druida e o Diabo, numa encenação do eterno conflito entre Bem e Mal, Luz e Trevas, Verão e Inverno. O confronto das polaridades gera o caos. E do caos renasce a harmonia e o equilíbrio universal.

Ao longo da noite, seguindo os diabólicos velhos costumes, os rapazes jovens roubam os vasos de flores que enfeitam as casas, rodam as cadeiras de pernas para o ar, desarrumam tudo e viram a aldeia do avesso.

As lendas do passado são-nos teatralizadas pelos próprios filhos da terra para que não sejam esquecidas. Devemos prestar toda a atenção, são as últimas vozes das almas antigas que ecoam. 

Festa da Cabra e do Canhoto marca a época do fim das colheitas, 
o término do ano velho e o início do ano novo pagão. 

A egrégora de velhos deuses pré-cristãos cultuados neste ritual ancestral, em tão remota e discreta aldeia tem as suas raízes deveras bem entranhadas na terra. 

Assim como os castanheiros, que proliferam na região, parecem ser divinamente protegidos resistindo às intempéries ao longo dos anos, também as divindades pagãs encontraram forma de se manter vivas e de resistir aos ventos inquisitórios que varreram da memória colectiva o culto da Terra-mãe.

Acredito que enquanto houver fumo de castanhas assadas no fim dos Outonos, regozijam-se os Deuses e os genii loci (os espíritos do lugar), proporcionando-nos estes, em retribuição, um Pequeno Verão dentro da estação fria e chuvosa.

O sensor-hiper-sensível da vossa escriba concluiu que há algo de muito especial e impossível de traduzir por palavras acerca da Aldeia de Cidões

O local parece ter uma Consciência per se, inteligente, activa, astuta, que é nutrida pela população, e que a nutre de volta, não deixando que morra a aldeia, os costumes, a coesão — e, em última análise, a Consciência, para onde tudo retorna.

O Cabrão.

Atirando com as botas de investigação por cima da cabeça, dou por concluída a diabólica jornada respondendo a algumas dúvidas que recebi por telepatia:

Onde fica Cidões?
Cidões é uma pequena aldeia de dezoito habitantes que pertence ao município de Vinhais, Bragança, região de Trás-Os-Montes.

Quantos quilómetros de Lisboa a Cidões?
Cerca de 500 quilómetros.

E do Porto a Cidões?
Cerca de 220 quilómetros.

E de Faro a Cidões?
Cerca de 730 quilómetros.

Vale a pena ir lá?
Hell yes. Sem dúvida que, pelo menos uma vez na vida, vale a pena ir à “Terra do Diabo”. Nada é o que imaginamos encontrar. Esta é uma experiência que devemos vivenciar procurando sentir e compreender o significado subliminar de tudo, sem nos condicionarmos pelas aparências ou pelo preconceito. É um testemunho histórico irrefutável e um privilégio imenso fazer parte desta viagem no tempo.

O Diabo existe?
Certamente que sim. O Diabo é tão real quanto as emoções sombrias do ser humano; quanto a força opositora que mantém vivo o fluxo do Universo. O Diabo é a mais crua e autêntica alegoria criada pelo Homem.

Deus vai castigar-me se eu for à Festa da Cabra e do Canhoto?
Vai. Deus nos livre dos seus seguidores. A Festa da Cabra e do Canhoto é para pessoas não-chatas, que não têm medo de sorrir, de se divertir, de Viver. 

A poção “Queimada” do Druida, é mesmo mágica?
A vossa escriba investigou profundamente (até ao fundo da caneca de barro, bem-entendido), e afiança-vos que faz ficar com a voz mais grossa e o álcool etílico passa a parecer uma bebida para bebés. 

Paga-se entrada?
A entrada é livre. As bebidas e petiscos são justa e merecidamente pagos.

Quando haverá a próxima Festa da Cabra e do Canhoto?
Na Noite das Bruxas, 31 de Outubro.

Links úteis:

💚 Agradeço ao Luís Castanheira, organizador da Festa, referido na Parte 1 desta crónica-em-dois-capítulos, pelo caloroso acolhimento e pelo simpático e divertido convite para ajudarmos a acender as velas da festa na ponte de Cidões. 

Nas labaredas do Diabo,

Hazel
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Viagem à Terra do Diabo — Parte 1

A TERRA DO DIABO fica muito longe, para lá dos montes. Poucos ousam ir lá, menos são os que sabem da sua existência, e mais raros os que lá moram.

Diz a lenda que uma vez por ano, na noite de 31 de Outubro, o Diabo anda à solta numa pacata e remota aldeia nortenha. Tudo fica virado do avesso. 

Celebram nessa noite a Festa da Cabra e do Canhoto, uma tradição pagã antiquíssima que sobrevive há mais de dois mil anos, o aclamado genuíno Samhain (Halloween) português, passando praticamente despercebido pelo resto do país.

Que inquietante tradição é esta, cheia de rituais misteriosos, onde a personagem principal é o Cabrão, bebe-se uma poção flamejante feita pelo Druida no caldeirão onde se esconjura o mau-olhado e afasta as trevas, e a lenha só arde se for roubada? E que diabo é isso do Canhoto? 

A vossa escriba, que nunca testemunhou este relicário vivo do misticismo antigo, vestiu a capa preta de investigação, botas altas e lupa, e foi indagar que coisas fixes se fazem para lá dos montes, que é como quem diz, em Cidões, Município de Vinhais, Trás-Os-Montes. Sobrevivi ao encontro com o Diabo e voltei para contar a história:

Chegámos duas horas antes da festa começar. Cidões é uma pequena aldeia silenciosa com casas de pedra adornadas com inúmeros vasinhos de flores, perdida na imensidão verdejante das serras. Tem apenas dezoito habitantes.

O Cabrão

Estava previsto chuva forte e trovoada, no entanto a força dos elementos tem as suas próprias vontades que andam de mão dada com a população, e o clima esteve inexplicavelmente ameno.

O Cabrão, colocado na entrada, dá as boas-vindas em todo o seu esplendor. [Sempre quis ter uma desculpa para escrever isto numa crónica e sair impune, oube lá. 😃] 

A imponente escultura de madeira com sete metros é queimada (pirilau incluído) ritualisticamente na enorme fogueira — o Canhoto — juntamente com a má sorte, o mau olhado e as dificuldades. Diz a lenda que esta lenha só arde se tiver sido roubada.

Marca-se, assim, a celebração do fim do ciclo agrário, despedindo-nos da metade clara do ano e entrando na metade escura e nas noites longas e frias. 


Os caldeirões cozinham a Cabra, mulher do Cabrão, dizem eles, enquanto repetem o antigo adágio que aprenderam com os seus avós: 

«Quem da Cabra comer e ao Canhoto se aquecer, 
um ano de muita sorte vai ter.»

Resolvemos sair da aldeia e respeitar o espaço e a privacidade dos cidanenses para se organizarem ao seu jeito sem se sentirem observados por dois forasteiros. Forasteiros, escrevi eu? Estava prestes a aprender a primeira grande lição desta incursão: No Norte, nunca é forasteiro aquele que vem por bem. É da terra também.

Travou repentinamente um carro ao nosso lado. A janela desceu:
— Andais perdidos?
— Estamos só a passear, viemos para a festa.
— Querem vir comigo ajudar a acender velas na ponte?

De um momento para o outro, com o Sol a morrer para dar lugar ao lusco-fusco, deslizámos para dentro do carro do desconhecido de olhos vivos e resplandecentes como os de uma criança. Havia um cajado com o que pareceu ser a cabeça do Diabo no banco de trás, assim como uma boa quantidade de velas vermelhas. Ele há horas do Diabo.

O Luís, é o seu nome, conduzia apressadamente pelas curvas e contracurvas que conhece desde que nasceu, e conversava como se nos conhecesse desde sempre. 

Contou que a festa é organizada por um grupo de amadores entusiásticos, filhos da terra, descendentes das gerações pagãs que ali habitaram. Não têm patrocínios, preferem preservar a identidade e a tradição. 

Unem-se esforços e dos seus próprios bolsos, com simplicidade e amor, compram tudo para proporcionar a quem visitar a aldeia nesta noite, uma celebração acolhedora e inesquecível, à boa e hospitaleira maneira do Norte.

Acendemos as velas vermelhas e distribuímo-las dos dois lados ao longo da pequena ponte que dá acesso a Cidões.

— Logo quando chegar a meia-noite venham aqui para o meio da ponte. Deixem-se ficar de pé, fechem os olhos e fiquem a sentir uma presença, uma energia, aqui com esta natureza toda à volta. Depois irão perceber. Façam as vossas preces e lancem os vossos pedidos ao rio.

Na voz do Luís, que não precisou de dar mais explicações, vinham as vozes de todos os antepassados que há mais séculos do que conseguimos sequer imaginar, dão continuidade a este misterioso ritual na ponte que liga Cidões ao resto do país, da mesma forma que o mundo terreno se liga ao mundo sobrenatural.

Eis que chega o bater das sete da noite. Escuridão total. A festa vai começar. 

(Continuação na próxima crónica: Viagem à Terra do Diabo - Parte 2)

Em terras do Diabo,

Hazel
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