Quando os Pássaros Dormem

HOJE ACORDEI a pensar na textura áspera dos pijamas muito velhos de algodão às riscas, com mais de um século.

– Lavar –

Lavados nas águas claras e doces do rio, com cobras-de-água fugidias que serpenteiam entre os limos verdes.

– Corar –

Espraiados como uma ninfa adormecida, livre de todas as preocupações e cuidados. 

Feitos em espelho de Sol num mar de ervas altas e macias, onde evapora em exalações regulares o odor vivo do sabão.

– Secar –

À hora ociosa do canto das cigarras, dançam suspensos na corda, enquanto as sombras das árvores alongam como pernas de bailarina, e os pássaros dormem com as crias debaixo das asas, abrigados do vento quente que lhes levanta as penas.

– Remendar –

A luz vespertina desliza em fios de ouro através das pequeninas janelas de tecido ratado pelas traças. 

Nas costas, alguns remendos, cosidos no vôo dos pensamentos, com linhas de linho puxadas por andorinhas, e óculos de ver ao perto pendurados na ponta do nariz.

– Encantar –

Dentro dos bolsos, papéis de rebuçado embrulham o eco das avós com cabelos longos de chuva e teia-de-aranha, cabelos curtos de algodão-doce e olhos de aguarela.
Cantam cantigas sem palavras, que se enfiam pelos furos dos botões. Passam muitos Invernos até que as suas vozes brotem, em rangidos e presságios, nos ramos das árvores que roçam uns nos outros durante as noites de vendaval.

– Dobrar –

São dobrados com lentidão, por mãos pacientes que cheiram a biscoitos de manteiga numa caixa de lata, escondida atrás de um relógio hipnótico com pêndulo, que marca sempre outro tempo fora do tempo.

– Arrumar –

No armário oval, pintado em cor de casca-de-ovo, nuvens vigorosas de cheiro a sabão-azul-e-branco e a lavado flutuam sobre os pijamas. Dormem o sono dos mágicos, aconchegados entre saquinhos de lavanda, bolas de madeira de cedro, sabonetes perfumados e todos os sonhos que ainda não sonhei.

Foi na aspereza rústica e reconfortante que existe apenas nesses maravilhosos pijamas imaginários, e em nenhum outro objecto ou lugar no mundo, que hoje pensei ao acordar.

Em levitação nas nuvens de sabão,

Hazel

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Fotografia: Albrecht Fietz