Avançar para o conteúdo principal
A mostrar mensagens de 2018

Projecto "Faz-te à Vida"

Tens de riscar pelo menos 50 itens antes de morrer. Cria o teu próprio projecto e faz-te à vida! 1. Ver a Aurora Boreal ....... 2. Passear num balão ....... Feito. 3. Enterrar um tesouro ....... 4. Mergulhar no mar em pleno Inverno ....... Feito. 5. Visitar um país de cult…

Poema: Fantasma

Foi lançada hoje a Antologia de Poesia Portuguesa Contemporânea “Entre o Sono e o Sonho” - Volume X, da Chiado Books, onde consta este meu poema: Fantasma Liquefaz-se o vestido em ondas Água doce, limos verdes Escorrem em regato Pelos degraus do Cais. Elevo-me nua Magra c…

Poção de Esquecimento

A pós retiro prolongado , a (im)paciente da cama cinco agradece as visitas, as mensagens, as flores, os bolos doces sem açúcar, o envio de borboletas, os presentes, os convites e todo o afecto — que, sem dúvida, foi a mais regeneradora das panaceias. Doutor Passarinho deixou-a ter al…

Hospital de Corações

A CABEI DE INVENTAR  ESTE NOME. Quem está doente do corpo vai para o hospital “comum”, quem está doente da cabeça vai para o hospital psiquiátrico e quem está doente do coração vai para o Hospital de Corações. É um edifício semelhante aos outros por fora, mas com pessoas mais simpátic…

Para uns Anjo, para outros pior que Belzebú

F ugiram-me duas velas de casa. Tinha-as em cima da mesa de jantar, cada qual no seu castiçal, e desapareceram sem deixar pingo de cera nem de remorso. Corri atrás delas rua fora, mas no primeiro cruzamento virou uma para cada lado. As danadas. Voltei para casa de mãos a abanar. Colo…

A louca da camisa de dormir

A louca da camisa-de-dormir todos os dias faz o mesmo percurso que se cruza com o meu, ora de manhã, ora pela tardinha. Contemplo a visão onírica da senhora de meia-idade que atravessa a estrada sem pressa, a chinelar nas suas chanatas de quarto com borlas emplumadas em seda rosa-péta…

Quatro Casamentos e Três Funerais

A respeito do cartaz “Não matem os velhinhos”, lembrei-me de uma gaiata que conheci, bem mai’nova e desempoeirada que a sirigaita da frase. Sorridente e surpreendente no seu batom vermelho-malagueta e óculos-escuros- femme-fatale , assentia com a cabeça enquanto escutava a sua história…

Numa Casa Portuguesa Fica Bem...

S er português é sinónimo de ter um conjunto de pratos impecável no armário (que apenas é usado quando vêm visitas) e outro, já velho-gasto-e-possivelmente-lascado, que é o do dia-a-dia. Quem diz pratos, diz copos, toalhas de mesa ou as almofadas do sofá, que se viram ao contrário para…

O Vazio

A campainha está a tocar, vou ali abrir a porta: são os senhores que vêm instalar um contador bi-horário. Façam favor de entrar, é por aqui. Diz que é raro terem pedidos destes, que os últimos contadores do género foram instalados há muitos anos num mosteiro perdido no nevoeiro lá par…

Sabes que estás a ficar velho quando

E sta dor que hoje me tem apoquentado a zona fronteiriça entre o fundo das costas e o começo das nádegas concebe previsões meteorológicas com maior exactidão que o ido Anthímio de Azevedo. Amanhã vai estar fresco, algumas nuvens e o Sol vai andar acabrunhado, diz-me. Tenho conversado…

Segure-me aqui a Língua desta Menina

F OI NA PRIMAVERA TENSA   de mil-nove-e-noventa-e-nove que uma malfadada espinha de carapau me escorregou através da glote e se espetou bem lá no fundo da garganta. (Se é sensível a descrições de teor visceral, não leia mais. Vá-se embora . ) Tentei tossir, mas não saiu. Comi pedaços d…

A Página Cento-e-Oito

E ntrou pela janela ao fim da tarde, lançada por uma rabanada de vento que derrubou o porta-retratos. Os olhos do gato, que acordou assarapantado, seguiram a queda lenta até aos meus pés de uma folha que se enrolou sobre si como as rosas-de-Jericó quando rolam pelas areias quentes do d…

41 anos!

O ponto de exclamação no título é como uma palmadinha de consolação no meu próprio ombro. Quarenta ainda vá, mas quarenta — e! — um. Valham-me os Deuses. Este foi um ano de morte, de renascimento e de um grande salto de fé. Apaixonei-me, casei, mudei de nome, continuei a escrever…

Bilhete de Ida

E stá decidido. Já anotei nos alfarrábios estrelares quanto tempo vou querer viver. Que alívio isso me trouxe, por Láquesis! De-agora-em-diante (quase escrevia ‘doravante’, mas encontrei a palavra cheia de pó por falta de uso, assim engavetei-a embaraçadamente neste parêntesis), não …

A Revolução dos Cravos

“S E QUISER, TOME, UM CRAVO oferece-se a qualquer pessoa”, respondeu Celeste Caeiro, 40 anos, ao soldado que lhe pediu um cigarro. Não tinha mais nada para oferecer senão os braços cheios de cravos vermelhos e brancos. O restaurante onde trabalhava, em Lisboa, celebrava nesse preciso…

Ai Jeremias

N ÃO HÁ REMÉDIO  que te cure essa urticária, Jeremias. Enfiou-se-te por entre os dedos das mãos e dos pés (não vamos contar aos senhores sobre as zonas pudibundas onde ela também comicha, fica descansado, hã). Todo tu comichas em formigas-de-asas peludas e invisíveis que te alfinetam…

Previsão meteoro(i)lógica

C hove sem parar. O cheiro doce da água, que se sente no fundo da língua, encontra-se em todas as ruas, embora se tenha tornado imperceptível como um perfume que se usa há demasiado tempo. Podemos deitar fora os chapéus-de-palha, os fatos-de-banho, os colares de conchas. São inúteis …

Como Lidar com o Bloqueio Criativo

P REPARO UM café simples (desta vez, sem os extraordinários obséquios aromáticos da canela e do açafrão) para servir de combustível milagro-epifânico. Deixo-o escorregar lentamente goela abaixo. E nada. Quer isto dizer, ‘nada’ é uma forma de colocar a questão; em boa verdade, a Bic-l…

Casimiro

Breve história em três tempos, para leitores ávidos e impacientes. [Tempo um] Casimiro era um homem de certa idade. Tinha uma marreca notável. Usava sempre um casaco grande. Nunca casou, embora sonhasse com tal felicidade. Não se lhe conheceu família. [Tempo dois] Um dia, Cas…

Rosa dos Ventos

Desço o ribeiro a baloiçar até ao mar na canoa do teu abraço. Beijos ébrios de maresia. A madressilva dos teus olhos. Abres estrelas do mar das tuas mãos frias no corpo de nevoeiro perdido na bruma. Enrolados em tentáculos de vontade Navega-me em ondas de lençóis brancos …

Os malmequeres que nos querem bem

A i o que eu gosto de malmequeres. Reconfortantes e malcheirosos, aparecem todos os anos quando já ninguém espera por eles, no momento em que se perdeu a esperança de que o Inverno vá alguma vez terminar e nos rendemos quebrados pela chuva mole, teimosa e eterna, um regozijo para o bol…

A Vendedora de Ovos

A SENHORA-GALINHA usa quase sempre o mesmo kispo cor-de- papas-de-aveia , a condizer com o tom das asas das suas galinhas. Roliça e muito baixa, encontro-a sempre sentada em doce pacatez sobre um banquinho que desaparece debaixo das saias, dando a ideia de estar a chocar os ovos que …

O Último Dia

« O bservo sem emoção o burburinho de gente desinteressante que se arrasta com pachorra de réptil anafado sob o Sol vespertino, esquecendo-me da minha própria existência. Como um fantasma. Ninguém nota a minha presença. Nem eu. Tudo é temporário. Sei que um dia voltarei a encontrar-m…

Monstros Debaixo da Cama

N ÃO ACREDITO EM DEUS. Mas sei que Deus existe; disso não duvido, benza-me Deus. Existe para aqueles que acreditam n’Ele. Quem diz Deus, diz o Diabo . A crença numa ideia torna-a real, verdadeira. Qualquer ideia. Os monstros debaixo da cama são palpáveis para os que neles creem, e vêm…